Você já deve ter ouvido que a Libertadores é um campeonato de “pegada”, onde “raça e vontade” são muito importantes e que os times brasileiros são superiores tecnicamente e vão golear - como os palpites de que o São Paulo faria 5 ou 6 no modesto Cesar Vallejo, do Peru.
Expectativa versus realidade. O torcedor não compreende que nenhum jogo é fácil, e que ao invés do que é espalhado por aí, a qualidade técnica não decide jogos. Há uma razão para isso, bem como para os brasileiros passarem tantos apuros como o São Paulo ontem: os espaços em campo.
Desprezada até 1980, a Libertadores era tida como o campeonato do anti-jogo e da violência, emblemática nos títulos do Estudiantes de Osvaldo Zubeldía. Apesar do mito, as inovações táticas do treinador influenciaram para sempre o futebol - a principal delas foi o "off-side trap", uma linha de 4 jogadores que avançavam juntos e deixavam o oponente sozinho.
O Feyenoord sofreu para vencer o Estudiantes no Mundial de 1970 e encantou o treinador do Ajax, que vira o jogo e foi conversar com Zubeldía. Das conversas surgiu a ideia de adiantar linhas para brincar com a regra de impedimento e obrigar o adversário a perder a bola no campo de defesa, pressionando fortemente. Erro zero. Inteligência. E o principal: ao invés de técnica e habilidade com os pés, ocupação de espaços e inteligência.
O técnico era Rinus Michels, e nascía aí o embrião do futebol moderno: linhas avançadas, forte pressão na frente, troca de passes curtos. A relação entre jogador e espaço passou a nortear o jogo, como a Holanda de 1974. Marcação zonal a partir do Milan de Arrigo Sacchi. Compactação ofensiva com o Barcelona, para o passe sair curto e certeiro com jogadores próximos. Intensidade a partir de 2010, com máxima concentração. Tudo tendo como ponto principal o espaço.
O espaço nunca teve importância tão grande no futebol, e isso explica a dificuldade do São Paulo contra um time inferior tecnicamente. Ganso não tem como armar o jogo sem campo. Centurión não tem como driblar com marcação dobrada ou triplicada. Como na imagem: Lucão tenta sair e encontra todo mundo marcado, sem condições de receber a bola. O Vallejo não precisa ser talentoso para formatar 2 linhas e pressionar intensamente.
Qualidade técnica só aparece com espaço. O desafio passa a ser criaá-los: seja atraindo adversários e saindo em contra-ataque ou circulando rápido a bola para os defensores correrem atrás. Talento decide, mas não resolve. Qualidade técnica é necessária, mas sem uma ideia de jogo, o mais talentoso só vai tentar driblar e ser desmarcado, como Dudu no Palmeiras.
Espanta que o futebol ainda seja concebido e comentado por termos individuais em 2016. O espaço, hoje, é fundamental, e o coletivo se sobressai cada vez. Mais prudente pegar leve nos palpites e entender porque os brasileiros sofrem tanto na Libertadores - e porque o futebol brasileiro parou no tempo.
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