Quem foi Caetano Izzo: a glória e a tragédia do primeiro herói do Dérbi, há 100 anos

6/5/2017 09:27

Quem foi Caetano Izzo: a glória e a tragédia do primeiro herói do Dérbi, há 100 anos

Autor dos três gols do primeiro clássico, que completa um século neste sábado, pioneiro do Palmeiras coleciona façanhas e morre pobre e abandonado; destino do corpo é incerto

Quem foi Caetano Izzo: a glória e a tragédia do primeiro herói do Dérbi, há 100 anos

Foram três chutes de perna direita naquela tarde de 6 de maio de 1917: três conclusões precisas, três gols do mesmo jogador, um jovem de 19 anos chamado Caetano Izzo. E nascia, na distração de um domingo de outono em São Paulo, uma das maiores rivalidades do planeta.



Completam-se neste sábado 100 anos do primeiro clássico entre Corinthians e Palmeiras – 100 anos do pioneirismo de Caetano, o precursor de tantos e tantos craques, tantos e tantos jogos memoráveis, tantos e tantos domingos de torcidas à flor da pele. Um século depois daquele 3 a 0, é natural que Caetano seja lembrado, discutido, reverenciado. Ou absolutamente nada disso.



Caetano foi esquecido. Morreu pobre, enterrado em cova rasa, abandonado pela história, ignorado pelo público, órfão do reconhecimento que o futebol não lhe rendeu. Esta reportagem é uma tentativa de resgate da memória do primeiro herói do Dérbi: de suas façanhas e de suas desgraças. E foram muitas.

Porque Caetano não foi pioneiro apenas no clássico. Com a camisa do Palmeiras, na época Palestra Italia, ele ajudou a construir a mitologia do clube. Aprontou isso:



Fez o primeiro gol da história do Palmeiras no Parque Antarctica, em 1917, em vitória de 5 a 1 sobre o Internacional-SP, quando o campo ainda pertencia ao Germânia.



Além dos três gols no primeiro clássico contra o Corinthians, esteve presente em todos os 11 primeiros duelos com o rival. Anotou sete gols no período.



Foi autor de um dos gols na maior goleada da história do Palmeiras: 11 a 0 sobre o Internacional-SP, em 1920.

Fez três gols no primeiro jogo do Palmeiras como proprietário do Parque Antarctica: 7 a 0 sobre o Mackenzie, em 1920.

Foi titular ao longo da campanha do primeiro título do clube, o Campeonato Paulista de 1920.



Por tudo isso, fica ainda mais dolorosa a notícia dada pelo Diário da Noite, na página 10 da edição de 30 de maio de 1973:

“O sexto sepultamento que os coveiros fizeram, segunda-feira, no Cemitério da Saudade, em Marília, foi pobre, sem coroas, nem flores, nem acompanhamento. Velho, ignorado, sem recursos financeiros, enterrado em vala comum, ninguém se lembrou de Caetano Izzo”.



Quem foi Caetano

Caetano Izzo nasceu em 11 de maio de 1897, em São Paulo, e faleceu em 27 de maio de 1973, mais de 400km interior adentro, aos 76 anos. Jogou 106 partidas pelo Palestra, embrião do Palmeiras – de março de 1917 a julho de 1921. Onze delas foram clássicos contra o Corinthians.







Mas nenhum foi tão importante quanto o primeiro. Caetano acabara de chegar à nova equipe, saído do Ruggerone, clube ligado à colônia italiana – laço sentimental que os imigrantes logo direcionariam quase exclusivamente ao Palestra. Sua estreia ocorrera menos de dois meses antes, em vitória de 3 a 2 sobre o Paulistano – fez um gol, o primeiro dos 45 que marcaria pelo clube.



Naquele ano, o Campeonato de Foot-Ball da Associação Paulista de Sports Athleticos estava mais imponente: tinha o atrativo de receber clubes da recém-extinta Liga Paulista de Foot-Ball. Entre eles, seu atual campeão: o Corinthians.



Não por acaso, causava curiosidade o iminente encontro entre aquelas duas equipes: uma de origem operária e com inspiração inglesa; outra fortemente vinculada aos italianos que conseguiam se estabelecer em São Paulo depois das primeiras levas de imigrantes – que chegaram ao Brasil amontados em porões de navios para trabalhar em plantações de café. Mas nenhuma curiosidade era suficiente para antever que aquele jogo seria o pontapé inicial de uma rivalidade que se tornaria centenária.



Caetano e o fortissimo, optimo e violento shoot na esphera

Só em 1920 o Parque Antarctica passaria a pertencer ao Palestra. Em 1917, quando o clube da colônia italiana fez seu primeiro jogo lá, o campo ainda era do Germânia. A estreia foi em 21 de abril, contra o Internacional-SP. E foi pé-quente: goleada de 5 a 1. O primeiro gol do jogo – consequentemente, primeiro gol da história do Palmeiras no local – foi anotado por Caetano.





O Palestra do jogo contra o Corinthians em 1917: em destaque, o herói da partida, Caetano Izzo (Foto: Divulgação)



Também seria lá que ocorreria o primeiro clássico contra o Corinthians, “um dos matches mais anciosamente esperados no actual campeonato”, como ilustrou o “Correio Paulistano”. Na descrição dos jornais da época, foi uma partida equilibrada no primeiro tempo, com ataques de lado a lado - tornando, segundo “A Gazeta” relatou, “a lucta desenrolada no campo do Germânia uma das mais emocionantes a que temos assistido em encontros regionaes”.



Mas emocionante mesmo foi o segundo tempo. Foi aí que apareceu Caetano. Aos 15 minutos, ele “recebe a esphera e, num bello rush, approxima-se do goal contrario, e, ainda um pouco distante, desfere um fortissimo shoot enviezado, indo a esphera bater na rêde". Estava aberto, no relato do “Correio Paulistano”, um placar que seria ampliado na sequência com mais dois gols do artilheiro: outro cinco minutos depois, em “optimo shoot”, e mais um perto do fim da partida, “quando novamente o excellente extrema direita Caetano envia violentamente a esphera ao gol de Achilles, marcando o terceiro e ultimo ponto do dia”.





Correio Paulistano e o relato do primeiro Dérbi em 1917: muitos elogios a Caetano, o dono do jogo (Foto: Reprodução)



Apesar da vitória, o Palestra não foi campeão naquele ano. Tampouco o Corinthians. Eles ficaram, respectivamente, em segundo e terceiro no campeonato conquistado pelo Paulistano. Caetano só seria campeão paulista três anos depois, em 1920. E muito aconteceria em sua vida até lá.



Ainda em 1917, ele fez mais um gol contra o Corinthians – em vitória por 3 a 1. E acabou chamado para defender a seleção brasileira no Sul-Americano do Uruguai. Foi titular nos três jogos do Brasil: as derrotas de 4 a 2 para a Argentina e 4 a 0 para os donos da casa e a vitória de 5 a 0 sobre o Chile, quando fez um gol.



O Corinthians voltaria a ser vítima de Caetano em 1918. Ele marcaria mais três gols: dois em vitória de 4 a 2, outro em empate por 3 a 3 (seu último contra o rival). Mas também se envolveria em uma polêmica com um de seus principais parceiros de time, o também atacante Ministro. A fofoca da época era que Caetano estava se galanteando para uma mulher do colega e que, por isso, poderia deixar o Palestra. O episódio levou “A Gazeta” a publicar uma curiosa nota, desmentindo um “boato” que ela própria noticiara: “Quanto às relações de amizade entre esse player e Ministro, presentemente, são das mais cordeais. Ficam, portanto, desfeitos os diz-que-diz que por ahi correm”.



No ano seguinte, o rendimento de Caetano não foi suficiente para levá-lo a novo Sul-Americano. Sem ele, o Brasil foi campeão em casa. Mas o jogador voltaria a encontrar façanhas em 1920: três gols no Parque Antarctica no primeiro jogo com o Palestra como proprietário, um gol na maior goleada da história do Palmeiras, titular na campanha do primeiro título paulista do clube.



Mas Caetano ficou fora da final. Por decisão da diretoria, ele e outros jogadores de destaque, caso de Grimaldi, foram substituídos. A decisão parecia uma loucura. Do outro lado, estava o time do supercraque Friedenreich – o Paulistano. Mas deu certo. Martinelli e Forte fizeram os gols da vitória de 2 a 1.

Aproximava-se do fim a história de Caetano com a camisa palestrina. Ele ainda resistiria até o ano seguinte. Em julho, faria seu último jogo pelo clube – vitória de 4 a 1 sobre o Germânia.

Nos anos seguintes, Caetano defenderia São Bento e Independência. E então, em 1926, iria para a Portuguesa. E ao lado de Ministro. Em 2 de março daquele ano, “A Gazeta” noticiou:

“Caetano Izzo e João Ministro, os antigos futebolistas palestrinos, estão de novo na capital. Ambos iam voltar ao Palestra, formando a célebre ala Caetano-Ministro. No entanto parece que se firmaram na Portuguesa, pois defendendo este clube, jogaram domingo em Rio Claro, contra o Velo”.

Caetano e Ministro ficaram na Portuguesa para a disputa do Campeonato Paulista. E enfrentaram o Palestra. No Parque Antarctica, viveram experiência oposta àquela de anos antes: eram os adversários. Mas a dupla mantinha o talento do passado, e Caetano, no segundo tempo, deu assistência para Ministro marcar. Naquele momento, porém, o Palestra já vencia por 3 a 0.



No ano seguinte, Caetano e Ministro estariam novamente juntos para defender outro clube, o Antarctica. Jogaram a Liga dos Amadores de Foot-Ball – reconhecida como Campeonato Paulista. Ficaram em penúltimo, com apenas duas vitórias em nove jogos.



A partir daí, o GloboEsporte.com não encontrou mais registros de partidas de Caetano Izzo. Em 1931, ele já era mencionado em notas de jornais como integrante de uma equipe de veteranos. Estava entrando em uma nova fase da vida – que seria encerrada em Marília, quatro décadas depois.



Os últimos anos: ajuda da Prefeitura e corpo retirado do túmulo

É difícil montar o quebra-cabeça dos últimos tempos de Caetano Izzo. Passaram-se quase 44 anos de sua morte. Seus contemporâneos também estão mortos. Em Marília, as referências a ele são mínimas. Mas permitem que se entenda o principal: Caetano deixou a vida solitário, doente, pobre.

O próprio Palmeiras tem dificuldades em resgatar a memória do ídolo do passado. No site do clube, não constam data e local de sua morte.



– O Caetano é um dos maiores mistérios da história do Palmeiras, pois não sabemos absolutamente nada sobre ele, sobre o paradeiro dele. (...) A torcida do Palmeiras é muito grata ao Caetano, com três gols no primeiro Dérbi. Começou bem. Mas depois que deixou o clube, sumiu. E pouco se sabia até então do paradeiro dele. É algo comum para jogadores daquela época – disse Jota Christianini, historiador, pesquisador sobre a história do Palmeiras.



Poucos jornais noticiaram sua morte. Além do "Diário da Noite", citado no começo desta reportagem, o GloboEsporte.com encontrou menção a ele no "Estado de S.Paulo". A nota sobre o falecimento do ex-jogador traz informações que ajudam a elucidar sua biografia.







O jornal conta que Caetano mudou-se para Marília em 1947 para trabalhar no São Bento – convidado pelo argentino Ardito para ser auxiliar-técnico e olheiro no clube, que na época disputava a segunda divisão paulista. Sob sua influência, dois atletas do São Paulo teriam migrado para a equipe do interior: Piolim e Virgilio.



Em Marília, Caetano criou raízes e iniciou sua decadência. Nos anos 60, já tinha grandes dificuldades financeiras. Tanto que passou a receber auxílio público. Em 1969, o prefeito Octávio Parreto Prado (da Arena, partido que comandava a Ditadura Militar no Brasil) criou uma lei exclusivamente destinada a dar dinheiro ao ex-atleta. Ele passou a receber, mensalmente, 200 cruzeiros novos – hoje, seria em torno de R$ 2,5 mil. O decreto lembra que Caetano defendeu a seleção brasileira.





Decreto da Prefeitura de Marília em 1969 determina pensão para Caetano Izzo (Foto: Reprodução)

A mesada sustentou por quatro anos um dos primeiros ídolos do Palmeiras. Mas não evitou um triste fim. Segundo o “Diário da Noite”, Caetano viveu os últimos anos em um quarto de pensão, vagando por clubes noturnos e falando sobre futebol, chorando ao lembrar de seus tempos de jogador e dizendo que eram lágrimas “de saudade, de saudade”. O jornal também diz que seus dias finais foram em um leito de enfermaria, desacompanhado, como indigente. O Estadão dá um panorama parecido, mas cita um filho adotivo como acompanhante da agonia de Caetano.



O GloboEsporte.com teve acesso à nota fiscal do serviço de sepultamento de Caetano. Ela mostra que o pagamento foi feito por um homem chamado Armando Caetano Izzo. A reportagem não pode afirmar com certeza que se trata do filho adotivo mencionado no Estadão. O ex-jogador casou-se em setembro de 1922, conforme noticiou “A Gazeta” na época. Não constava o nome da esposa.





Nota fiscal do velório de Caetano Izzo mostra pagamento feito por homem chamado Armando Caetano Izzo; provavelmente, seu filho (Foto: Reprodução)



Os jornais que mencionaram a morte de Caetano informaram que ele sofreu enfartes – e que teria morrido como consequência deles. O GloboEsporte.com apurou que sua certidão de óbito tem câncer pulmonar como causa da morte.

Em 1978, cinco anos após o falecimento, Caetano recebeu uma última homenagem em Marília: teve uma rua batizada com seu nome. Antes chamada “Rua D”, uma via do Jardim Araxá passou a ser denominada Caetano Izzo.





Rua Caetano Izzo, em Marília, é uma das últimas lembranças à memória do ídolo palestrino (Foto: Rodrigo Viúdes)



É o que resta dele por lá: pequenas placas azuis com letras brancas indicando o nome de uma rua. No Cemitério da Saudade, onde Caetano foi enterrado na chapa 63 da quadra 48, não é mais possível visitá-lo. Seu corpo não está mais lá. Em 2008, o espaço onde ele jazia foi comprado pela família Cavichiolli. Arthur Cavichiolli, sepultado lá, era palmeirense roxo, disseram familiares. Nascido em 1914, era criança quando Caetano encantava no ataque palestrino.



A Emdurb (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Habitacional) de Marília, responsável pelo cemitério, não soube informar à reportagem o que foi feito do corpo do ex-jogador. No local, há um ossário – para onde são levados restos mortais após exumação. Não foi possível confirmar, porém, que Caetano tenha ido para lá.



Cem anos depois de ter feito três gols no primeiro clássico entre Palmeiras e Corinthians, é incerto onde jaz Caetano Izzo.



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15300 visitas - Fonte: Globoesporte

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Triste! Deveriam neste espaço, publicar mais sobre a história do clube e menos fofoca como disse EB.

Linda história com um final triste. Ídolos esquecidos pelo passar dos anos. Quantos Caetanos Izzos temos em nossa história. Parabéns pela reportagem e homenagem a esse herói palmeirense.

muito triste!!! se fosse hoje o Palmeiras não deixaria de ajudá-lo!!! meu falecido pai comentava muito dessas histórias.

O futebol tem dessas coisas, algum craque que nos trouxe tanta alegria e emoção pode ter tido um fim tão triste como este Caetano. Lamentável, assim como o também craque palestrino e jogador da Copa de 78, Jorge Mendonça. Triste fim de algumas pessoas.

triste fim

triste.

Agora sim o Palmeiras está com Técnico de puso firme quero ver se os caras não joga agora

adoro saber a história de determinados jogadores, que passaram pelo Palmeiras e a seleção. uma pena que os jogadores de antes não ganhavam tão bem como os de hoje, com exceção de Pelé! Parabéns pela matéria!

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