O curioso é que ninguém conhecia a fera pra valer. Ninguém vira Bonilla antes na seleção, na Europa e tampouco aparecia seu nome nos famigerados boatos de contratações. FLAMENGO DE OLHO EM CENTROAVANTE COLOMBIANO nunca foi uma manchete para Victor Bonilla. Eram outros tempos, amigo e amiga. Poucos jogos da Libertadores passavam na TV, e a demanda por assinaturas de TV a cabo era bem menor que hoje. Praticamente não dava para saber de verdade a bola que jogavam os gringos mais periféricos. O River Plate eliminado na semifinal, com Sorin, Gallardo e Saviola, a gente conhecia, mas o Deportivo Cali? Era no boca-a-boca colhido aqui e ali, três ou quatro jogos de fato assistidos, a internet não era esse paraíso das estatísticas (e do acesso), de modo que o vazio analítico foi preenchido com uma demão generosa e superlativa de adjetivos para o matador de Cali. A descrição era de dar medo.



E o jogo de ida foi 1x0, gol de Bonilla, de cabeça. Era realmente um fenômeno. Sabe Deus como conseguimos frear este atacante completo na partida de volta. Ele não bateu pênalti, e até hoje me pergunto o motivo. Modéstia, talvez? Não queria humilhar São Marcos? Enfim. Quinze dias após aquela final, Bonilla marcava seu primeiro gol pela seleção colombiana. Foram 4, ao todo, e não muitas convocações e titularidades. Após 8 anos de Deportivo Cali, foi jogar no Real Sociedad. Depois, Salamanca. Bora pra França: Toulouse, Nantes, Montepellier. Não consta que tenha ganhado taças ou estátuas por onde passou. Bonilla, o último pesadelo daquela Libertadores, teve dois ou três anos de futebol de alto nível, o que lhe rendeu uma ida (discreta) para o futebol europeu e uma passagem (tímida) pela seleção.



Borja



São outros tempos, e o amigo e a amiga podem vir aqui e me jurar que assistiram toda a campanha do Nacional de Medellín na Sul-Americana. Tentarei acreditar. Passa tudo, ao vivo e em videoteipe, no cabo de hoje em dia. Contando a portentosa Sula, portanto, estamos falando do quê, 10, 12 jogos, somando os quatro da Libertadores? Assistimos ao campeonato colombiano? O Mundial Interclubes conta? Se contar, é uma pena, pois os colombianos não jogaram nada. A gente realmente conhecia o Borja? Sim, a pergunta é para comparar com o caso Bonilla, de duas décadas atrás: com tão mais informação à disposição, será que agimos como se estivéssemos em 99 e compramos, mais que um jogador, uma fama? Teríamos chutado Oséas para ficar com Bonilla?



A fama do Borja é uma fama que levantou a taça, esmagou o São Paulo (lembro que compramos o Gioino certa vez, quando este, no Chile, fez 3 gols no São Paulo) e passou em HD bonitão por aqui jogando uma Sula sem peso. A China estava na parada, o cara abriu mão de dinheiro para vir pra cá, mas é forte a narrativa de nossos verões com diretores de futebol "monitorando" atletas com muito dinheiro à disposição. A narrativa casa com o vasto tempo e espaço que temos que preencher nos sites e tevês que, sem jogos para transmitir durante as pré-temporadas, precisam criar atrativos novos tal qual os radialistas dos anos 50 quando aumentavam, nas narrações, os dribles dos atacantes, para os ouvintes imaginarem algo mais belo do que a realidade seria.



Ninguém quer um narrador de rádio que fala só a verdade descrita, sem adjetivos, e ninguém resiste a um atacante colombiano forte e matador cobiçado do outro lado do mundo e que custa muito, muito caro, mas olha, dá para negociar, o cara quer vir, o cofre está cheio, a torcida de repente abraçou a causa, e por que não comprar? Pronto, o Borja está comprado. O mapa de calor e as mesas táticas, assim como o game da Globo, não nos contam muito bem o jogo de futebol. A gente pagou uma fortuna antes, para conhecer de verdade o jogador depois.



E quem é o Borja de verdade?



Em 1.250 minutos de futebol pelo clube, fez 7 gols. Perdeu um pênalti. Dos gols que marcou, um abriu o placar, outro desempatou um jogo, e os outros cinco saíram quando o Palmeiras já vencia. Estes são os números. Minha opinião de bola rolando é que fora da área a canela dele é maior que os pés. Dá pouca sequência em jogadas que demandam técnica, comete muitos erros simples, e quando eu digo "muitos", é claro que isso inclui a teoria da relatividade, ou seja, é "muito" em relação ao Borja tal qual imaginei que ele era. É hora de se adequar ao Borja real.



E o Borja real, concluo após ver o suficiente, não custaria tudo que custou se o trabalho prévio de pesquisa fosse bem feito. É um jogador com chute muito forte, um finalizador acima da média, cabeceia bem, o arranque é potente, sem dúvida é um bom jogador. Para manter o foco só no jogo jogado, não vou detalhar o que penso sobre a parte anímica, do coração e da alma do camisa 9, algo que também muito me preocupa. Sonhamos, porém, com um craque, pagamos por ele um valor de craque, mas nosso centroavante não é um craque. E isso não precisa ser um problema. O conserto começa pelos torcedores cobrarem o Borja pelo que ele é de verdade, não pelo que ele é de mentira.



E cobrarmos quem tem o talão de cheques do clube no bolso. Alexandre Mattos, após um 2015 confuso, acertou em cheio em dois negócios para 2016: Mina e Moisés. Nenhum dos dois demandou o dinheiro que foi gasto com Borja. As duas contratações envolveram criatividade e convicção, deram muito certo em campo e foram economicamente coerentes com o tamanho das apostas.



Tenho dúvidas da convicção diretiva quando comprou Borja, em parte porque é a mesma turma que quis apostar em Michel Bastos. Era muito fácil atender a febre popular pedindo o jogador, e na imprensa nada depunha contra o atacante. Mas será que o Mattos está tão surpreso quanto eu e, talvez, você, ao ver Borja jogar?



Se formos cobrar o camisa 9 para que ele faça valer o que custou, vamos nos frustrar. No entanto, ele cabe no time e por mim ficaria nele até o duelo com o Barcelona. Tenho um pouco de esperança que mostre mais futebol até lá.

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