Jorginho atuou pelo Palmeiras entre 1979 e 1987 e se despediu com a fama de pé-frio(Acervo/Gazeta Press)
Mesmo em um dos períodos mais difíceis da história do Palmeiras, um jogador conseguiu se destacar pelo clube. Jorginho Putinatti atuou pelo time alviverde entre 1979 e 1987, justamente na época do jejum de títulos. Sem nunca ter sido campeão pela equipe, o ex-meia alega que não conseguiu levantar a taça do Paulistão em 1986 por conta do árbitro Dulcídio Wanderley Boschillia, que apitou a final contra a Inter de Limeira.
O ex-jogador diz que o clube alviverde se recusou a dar um carro antes da final ao árbitro, que morreu em 1998. Jorginho acabou deixando o Palestra Itália carregando a fama de pé-frio, mas ainda é admirado por palmeirenses, como o presidente Paulo Nobre, que o indicou na seleção de todos os tempos do clube em eleição promovida pela revista Placar, deixando Ademir da Guia fora da relação.
Atualmente morando em Marília, Jorginho Putinatti concedeu entrevista por telefone à Gazeta Esportiva e ainda relembrou seu apoio à adoção ao porco como mascote do clube.
Gazeta Esportiva: Como era a cobrança no clube quando você chegou?
Jorginho Putinatti: A pressão era boa, legal, porque o clube havia conquistado um título em 1976. Em 1979, nós fomos muito bem, com o Telê Santana, e eu me firmei, mas nós não ganhamos título. Fomos bem no Paulista e no Brasileiro, mas talvez tenha existido excesso de confiança, e acabamos perdendo o título. Começou uma decadência maior em 1980, porque o time ia em busca de títulos, mas não conseguia. A torcida cobrava os jogadores nessa época, e a própria diretoria, mas os anos foram se passando. Nós tínhamos um time para ganhar, que era competitivo, mas não conseguia passar em quadrangular e semifinal. Isso foi aumentando a fase de não ganhar título. Em 1986, nós tínhamos tudo para ganhar da Internacional de Limeira, em uma final, mas acabamos não vencendo. Vejo problemas de bastidores do Palmeiras, porque título também se ganha fora de campo, e não só dentro, principalmente hoje, porque tem muita coisa feita por baixo dos panos. Sabemos de muita coisa que ocorreu por fora e acabamos não ganhando o título.
Gazeta Esportiva: O que vocês ouviram que ocorreu por fora?
Jorginho Putinatti: Naquele ano de 1986, o Dulcídio pediu um Monza para o Palmeiras. Pediu um carro, e o Palmeiras não quis dar, porque nós tínhamos time para ganhar, mas ele virou a vassoura, e a Inter acabou sendo campeã. Isso foi uma coisa que eu presenciei, mas, lá atrás, devia ter muita coisa que não presenciei e o Palmeiras acabou não ganhando.
Gazeta Esportiva: Este carro teria sido pedido antes do jogo?
Jorginho Putinatti: É, exatamente. Ele pediu um carro. E na época o carro do ano era o Monza, mas não foi dado para ele.
Gazeta Esportiva: Vocês comentavam sobre isso na época?
Jorginho Putinatti: Foi comentado antes do jogo, quando fiquei sabendo. Se o Palmeiras desse o Monza, praticamente seria campeão, não precisava nem entrar em campo. Quem não conhecia o Dulcídio na época? Quem pagava era campeão. O Palmeiras não quis dar o carro e perdeu o título com o Morumbi lotado. Ele não deixou o Palmeiras jogar, e ainda tomamos dois gols, o que complicou mais ainda.
Ex-palmeirense alega que árbitro prejudicou o clube na decisão contra a Inter de Limeira(Acervo/Gazeta Press
Gazeta Esportiva: Mas o que você acha que ele fez contra o Palmeiras?
Jorginho Putinatti: A Inter deu uma sorte de ter feito gol logo no começo. Depois, nós não jogávamos mais. Se encostasse em qualquer um da Inter, era falta. Ia bola na área da Inter e era falta. Quem manda no campo é o juiz. [A equipe de Limeira fez seus gols aos 6 e aos 9 minutos do segundo tempo. O Palmeiras descontou aos 29. Com o placar de 2 a 1, a Inter se sagrou campeã]
Gazeta Esportiva: Você acabou sendo expulso na final contra a Inter de Limeira. Como aconteceu?
Jorginho Putinatti: O Dulcídio deixou nosso time irritado. Nós não podíamos relar em ninguém, que ele dava falta, e eu acabei entrando duro no Tato, que tinha feito o gol. Nós estávamos perdendo o jogo, entrei forte e acabei sendo expulso. Com o Morumbi lotado, a cabeça ferve, não tem como.
Gazeta Esportiva: Quando você chegou ao Palmeiras, o time não vivia um longo período sem título. Em que momento você percebeu que estava se formando um jejum?
Jorginho Putinatti: Foi nos anos 80. A torcida cobrava, a diretoria queria que ganhasse e contratava muitos jogadores, mas não conseguia. Nós chegávamos perto, mas não ganhávamos. No único título em que chegamos perto, contra a Inter, não ganhamos. E a torcida tinha aquela cobrança. Naquele tempo, era mais o Paulista (em atenção) do que o Brasileiro. Hoje já mudou, é mais o Brasileiro do que o regional.
Gazeta Esportiva: A pressão pesava para vocês na época?
Jorginho Putinatti: Eu já estava lá em uma fase legal desde 1979 e pesava, mas nem tanto, porque estava acostumado. Mas jogador que chegava sem ter passado por time grande, com aquela obrigação de ganhar, sentia muito. Por isso, muitos jogadores que podiam dar o que sabiam não conseguiam por causa da pressão da torcida, que exigia os títulos.
Gazeta Esportiva: Como era essa pressão da torcida?
Jorginho Putinatti: Era como é hoje. Nos treinos, antes e depois dos jogos. Muitas vezes, ficávamos presos dentro do vestiário. Não tinha nem como sair.
Gazeta Esportiva: Você chegou a ver algum caso de agressão?
Jorginho Putinatti: Não teve agressão. Tacavam alguma coisa quando passávamos pelo túnel, mas não vi nada de querer brigar. E nós não tínhamos também segurança como existe hoje.
Gazeta Esportiva: Você evitava sair de casa na época, principalmente depois de derrota?
Jorginho Putinatti: Dependendo da situação, evitava. Mas não era tanto.
Gazeta Esportiva: Você era famoso no Palmeiras por marcar gols olímpicos. Já chegou ao clube com essa especialidade?
Jorginho Putinatti: Quando cheguei, o Telê era o treinador, e ele exigia as cobranças de escanteio. Eu batia do lado direito, e o Baroninho batia do lado esquerdo. Fui treinando e fiquei marcado, porque, às vezes, fazia gol olímpico. Eu tinha também que acertar o jogador do primeiro pau nas cobranças. Nós treinávamos todos os dias e isso deu muito resultado no Palmeiras. Quando saía escanteio, a torcida gritava gol, gol, gol. Para mim, isso ficou marcado.
Gazeta Esportiva: Foi um pouco de mérito também do Telê, pela insistência?
Jorginho Putinatti: O Telê deu início em 79, e saiu em 80, para a Seleção, mas continuei fazendo esses treinos durante os sete anos em que fiquei no Palmeiras. Comecei a bater do outro lado também, porque o Baroninho saiu do clube, e foi uma arma forte que tivemos na bola parada.
Gazeta Esportiva: Você é elogiado pelas atuações pelo Palmeiras, mas acha que teria um reconhecimento maior se tivesse jogado em uma época de títulos do clube?
Jorginho Putinatti: Concordo, porque jogador que consegue um título fica marcado no clube. Fiquei marcado no Palmeiras sem nenhum título e queria ter conquistado, principalmente em 86, mas não consegui. Para mim, isso ficou muito marcado, por não ter conseguido um título do Palmeiras. Foi então que decidi sair do Palmeiras, achei que eu estava atrapalhando.
Gazeta Esportiva: Por que atrapalhando?
Jorginho Putinatti: Nós não conseguíamos ganhar título e achei que talvez fosse eu. Já me chamavam de pé-frio na época, eu que praticamente levava o time nas costas. Tinha que defender, armar o time, fazer gols... Achei melhor sair.
Gazeta Esportiva: A fama de pé-frio o incomodava?
Jorginho Putinatti: Não incomodava, eu fiquei sempre tranquilo e sabia das minhas condições, sempre fazendo o meu melhor. Fazia com muito amor e carinho, isso não me prejudicou em nada.
Gazeta Esportiva: Quando deixou o clube, você imaginava que levaria ainda mais alguns anos até o time ser campeão?
Jorginho Putinatti: Achava que o Palmeiras fosse ganhar um título em seguida, mas não veio. Assim, vi que não era eu que estava atrapalhando o Palmeiras. Depois, fez aquela parceria com a Parmalat e ganhou.
Gazeta Esportiva: Como você viu o fim da fila? Imaginou como seria participar?
Jorginho Putinatti: Foi legal ver o Palmeiras ser campeão. Qualquer time que ganha é uma alegria pelo trabalho realizado. Depois que saí, fui campeão gaúcho no Grêmio, fiquei tranquilo e as coisas foram passando. Na minha época, o Palmeiras não conseguia montar um time para ficar com uma base por dois anos juntos. O clube trocava 13, 14 jogadores e eu ficava. Depois, trocava mais 12, 13 e eu ficava. Com isso, não conseguia ter um grupo forte, não tinha uma base. Isso atrapalhou muito o trabalho.
Gazeta Esportiva: Você também ficou marcado pela foto com o porco, na capa da revista Placar. Como surgiu aquilo?
Jorginho Putinatti: O Jorginho era um ídolo na época, era o jogador mais respeitado do Palmeiras. Tive o convite de posar com o porquinho na Placare eu fiz. A torcida do Palmeiras começou a gritar “dá-lhe Porco”, e ficou marcado para mim. Foi legal.
Gazeta Esportiva: Você não teve medo de a torcida encarar de outra forma?
Jorginho Putinatti: Não. Ela estava gritando “dá-lhe porco”, e a diretoria falou para eu ir, porque eu era querido pela torcida. Tirei a foto, todo mundo gostou e ficou bacana, começou a definir mesmo. As coisas foram para o lado bom.
Gazeta Esportiva: Sua carreira também ficou marcada pelo gol de um árbitro, contra o Santos. Você chutou da entrada da área, a bola bateu no José de Assis Aragão e entrou...
Jorginho Putinatti: Ficou na história, porque dificilmente juiz faz gol. Eu até brinco, falando que o Aragão me avisou que iria para a área e que qualquer coisa eu deveria tocar para ele. Chutei e a bola ia passar ao lado da trave, mas ele estava lá, bateu na perna dele e entrou. O pessoal do Santos não sabia a regra, dizendo que tinha que anular, mas o juiz é neutro e deu o gol. Foi uma polêmica, Serginho, Paulo Isidoro e Márcio correndo em cima dele. Eu só tive que agradecer ao Aragão: “Obrigado pelo empate, depois eu te dou a metade do bicho”. [O gol em que a bola bateu no árbitro saiu nos acréscimos da partida, que terminou empatada por 2 a 2, em 9 de outubro de 1983]
Gazeta Esportiva: Como ele reagiu à brincadeira?
Jorginho Putinatti: Até hoje, quando eu o encontro, ele não quer que eu brinque, diz para eu não falar isso. Mas claro que é só uma brincadeira, coisa normal de jogo. Chutei, a bola pegou nele e entrou.
Jorginho recebeu das mãos da filha de Oberdan Cattani uma das taças em jogos festivos do centenário
Gazeta Esportiva: O que o Palmeiras significa em sua vida?
Jorginho Putinatti: O Palmeiras significa tudo, porque nasci em uma família de palmeirenses e acabei jogando no clube. Eu era um garoto do interior, que nunca tinha saído para uma cidade grande, mas recebi muito carinho da diretoria, da torcida e dos jogadores que estavam na época. Tenho mais é que agradecer ao Palmeiras por tudo que me deu, sou palmeirense e torço pelo clube, que me deu muitas alegrias e tristezas também. A torcida sempre me cobrou bastante, mas também incentivou. Só tenho que agradecer. Hoje, encontro alguns torcedores que se lembram de mim e isso é legal.
Gazeta Esportiva: Qual mensagem você deixa para o clube neste aniversário?
Jorginho Putinatti: Que o Palmeiras nunca deixe esta cor verde tão linda e tradicional, com esse negócio de ficar pensando em marketing e perdendo a tradição que existia do Palmeiras com aquele verde. Está usando abacate e azul, pensando na Itália, mas a Itália não está pensando no Palmeiras, não está ajudando nem um pouco. Acho que o Palmeiras tinha que voltar ao original. Podem fazer a camisa de marketing, mas não para dentro de campo.
Gazeta Esportiva: Em uma lista da revista Placar, o presidente Paulo Nobre incluiu você na seleção do Palmeiras de todos os tempos e deixou o Ademir da Guia fora. O que você achou?
Jorginho Putinatti: Eu não vi, mas deixar o Ademir da Guia fora é brincadeira. O Ademir da Guia é o paizão, do P que existe no símbolo do Palmeiras. Ele tem mais de 70 anos e a gente ainda joga bola juntos, na equipe de másters do Palmeiras. Ele entra em campo e joga sua bola sorrindo, com alegria. O Palmeiras não pode se esquecer desses ídolos, de Ademir da Guia, Dudu, Leivinha, César...
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