Há uma frase famosa no ambiente dos esportes nos Estados Unidos que recomenda “nunca subestimar o coração de um campeão”. É uma forma de dizer que àqueles que conhecem a rota das conquistas não se deve oferecer nenhuma facilidade. Ou de relembrar os mais empolgados com a aparente proximidade de um título que, mesmo que pareçam irremediavelmente distantes, os campeões verdadeiros jamais devem ser descartados enquanto houver algo a jogar.
O Campeonato Brasileiro de 2023 será lembrado pela maneira como o Palmeiras aplicou o know-how de ganhar no instante exato, em especial, por óbvio, pela torcida que mais recebeu troféus no país nos últimos anos. Já a vasta maioria da opinião pública que se ocupa com futebol falará, para sempre, sobre o esforço magnânimo que o Botafogo fez para não ganhar. Um evento de proporções bíblicas que não pode ser usado para retirar um milímetro sequer do mérito do bicampeão – o segundo time que mais venceu, o que menos perdeu e o que mais gols marcou -, mas que, por outro lado, também não deve servir para inflar uma campanha de 61% de aproveitamento.
A implosão do Botafogo foi uma atrocidade de tal ordem que levou o clube, ou melhor, quem dá as cartas no departamento de futebol com promessas de práticas modernas, a perder também a vergonha. Uma coisa é reclamar da arbitragem durante a viagem do melhor primeiro turno da história ao desempenho de rebaixado. Ok, compreende-se o embaraço. Recorrer a um “relatório” que pretende convencer quem quer que seja que um esquema de manipulações deu dezenove pontos ilegítimos ao Palmeiras já é uma inqualificável demonstração de cinismo, especialmente da parte de quem concluiu o campeonato em quinto lugar. Nem mesmo o STJD da CBF, uma corte que não costuma se preocupar com o decoro, deveria ter o desprendimento de receber uma argumentação com esse nível de audácia.
De fato, o Botafogo fez ainda mais do que convidar o Palmeiras a exibir seu caráter de campeão; deu também a Abel Ferreira a oportunidade de se despedir com a melhor das sensações, se é que ele aceitará a oferta do futebol do Qatar para se tornar o treinador mais bem remunerado do mundo. Abel foi o primeiro técnico do futebol brasileiro a receber a proposta do Al-Nassr - com valores ainda mais pornográficos - que terminou por seduzir Luís Castro, e, hoje se pode afirmar com elementos mais robustos, desmanchar a temporada botafoguense. Sem o título, Abel não teria o sentimento de dever cumprido que caracteriza o encerramento das relações bem-sucedidas.
Seja qual for sua decisão, Abel dará nome a um período distintamente glorioso da história de um clube acostumado a glórias. A prataria é o que se pode mostrar, sentir com as mãos, registrar com imagens. O esforço que a construiu é o que verdadeiramente importa, e, neste caso, se trata da mentalidade que manteve a ambição de um grupo consagrado, ano após ano, sem sinais de complacência. A grande obra de Abel é a cultura de vitórias que diferencia o Palmeiras dos demais, todos eles. Basta pensar no que aconteceria com o campeonato se fosse o time dele a abrir quatorze pontos de vantagem no segundo turno, e não o Botafogo.
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