Era março de 2016 quando João Paulo Sampaio, coordenador da base do Palmeiras, viu na tela do celular uma mensagem que mudaria de vez o patamar da formação alviverde. – Olha esse jogador. Vai ficar livre porque o São Paulo não vai dar moradia ao pai. Estava jogando a GO Cup – dizia o texto, enviado com um vídeo, por um amigo empresário no futebol. – Quanto é? – perguntou o coordenador. – Precisa de moradia e emprego – respondeu o empresário.
– Eu dou os dois. Pode vir. Era Endrick, arrastando o time em 5 minutos e 38 de vídeo, ali prestes a fazer 11 anos. Um atacante prospectado por um vídeo de WhatsApp, abraçado como craque e agora no Real Madrid, com 18 anos recém-completados no último domingo, como uma das maiores revelações dos últimos anos no futebol brasileiro. Tudo por um motivo: sua liberdade.
Mas o que há de diferente no atacante - que tem até vinhos prometidos na Europa - para essas projeções tão exaltadas? A verdade é que a timidez era inerente a sua personalidade. Mas nada disso transparece em campo com as chuteiras e a bola. Ainda criança, chegou ao escritório do Palmeiras em silêncio para fazer as fichas, ver questões de escola e conhecer a assistente social do clube, que ajudaria os pais - Douglas e Cintia - na adaptação.
Ele era pequenininho e eu falei: "Vamos ver se é bom mesmo". Me chamava a atenção por ser canhoto e pelo chute, só mirando no gol, e quando vi aqui… ele arrancava e era difícil parar. Tinha fome de ganhar. — conta João Paulo, coordenador da base, resgatando a sensação na memória.
Foi na mesma semana, aliás, da chegada de Luis Guilherme, agora negociado ao inglês West Ham e na época levado de Aracaju por um amigo de João Paulo para fazer teste no clube. Terminou ficando. Luis e Endrick viraram amigos e atuaram juntos desde 2017, pelo sub-11, subindo as categorias do Palestra como dupla.
– Ele foi um dos primeiros caras que me deram todo suporte, todo o carinho. Não só comigo, mas com meus pais também – contou Luis Guilherme, na despedida do amigo.
E desde aquela época, ainda em formação, o físico de Endrick se destacava. É o chamado "maturador precoce", entre os fisiologistas do Palmeiras, por conta de seu metabolismo avançado, já que normalmente um menino atinge o pico de velocidade de crescimento aos 14 anos, enquanto o camisa 9 estava nele aos 12.
Ainda agora ele se destaca assim, como quando o jornal Marca, da Espanha, publicou, em janeiro de 2024: " A imagem viral das pernas de Endrick: o atacante do Real Madrid é um prodígio físico."
Mas Endrick não é só isso. – É diminuir o que ele tem de bom. Porque a genética vários têm, mas nem todos se transformam em um Endrick – defende o técnico Eduardo Alemão, o primeiro do atacante na base do clube.
Alemão trabalhou por 10 anos na formação alviverde e conta que sempre tentou ser um treinador humano. Valoriza a leveza dos jovens atletas e diz que viu a diferença do camisa 9 desde os primeiros minutos em campo. – Ele tem as mesmas características dos 11 anos. Quando a bola cai nele, parece que se transforma em outro jogo. Ele é ele. Consegue ser livre.
As pessoas têm medo de fazer coisas diferentes. Da exposição, de ser julgado. Ele arrisca, mesmo o ambiente não sendo favorável – lembra Alemão, deixando transparecer o encanto na voz.
O Endrick surpreende. Todo mundo achou que no profissional ele não iria render. Todo mundo imagina que no Real ele vai ter dificuldade e isso não vai acontecer. — crava o treinador.
Essa liberdade carregou Endrick por cinco categorias de base até o profissional, sendo o primeiro e único atleta do Palmeiras a conquistar títulos em todas elas. A liberdade virou marca no gramado, junto com a cantoria do sertanejo ao trap para se concentrar, e também leveza nos vestiários.
Ele podia ser visto dormindo sentado na cadeira do ônibus, e minutos depois dançando, cantando e pulando entre os mais velhos no estádio. Às vezes até pediam: "Fala com ele". E mano, deixa ele só, fazendo o que ele quer, porque em campo vai resolver para nós.
Tentamos ajudar da melhor forma e tem muito a aprender ainda, mas é nosso futuro. — conta Mayke, aos risos, defendendo os ritos de concentração de cada.
Outros companheiros de time até abraçaram a energia jovem, como o goleiro Weverton, que aprendeu danças com o atacante e sempre buscou equilibrar a distração da idade com "ser o cara chato que chama a atenção" quando necessário.
– Eu tenho 35 anos, e futebol é sério, vou concentrado, mas para ele é algo diferente, vai se divertir. Ele é diferenciado, tem uma educação incrível e tudo para ser um dos maiores jogadores do futebol mundial – projeta Weverton.
Nada nessa história, contudo, é por acaso. Endrick fazia trabalhos específicos desde cedo para prepará-lo pensando na chegada ao profissional, com preventivos de preparação física no clube, por exemplo, e o acompanhamento de um estafe particular - formado pelas áreas de saúde, financeiro, marketing e direito.
Tudo isso em meio ao Palmeiras se tornando uma potência na formação de joias da base. Em 15 de dezembro de 2022, portanto, quando ele ainda nem estava em definitivo no profissional, o Verdão acertou a venda do atacante ao Real Madrid em uma negociação que pode chegar a até R$ 400 milhões entre valores fixos e bônus.
E assim tudo que não era inerente ao camisa 9, passou a ser desenvolvido em campo e nos treinos também. O zagueiro Murilo, por exemplo, assumiu o papel de pai conselheiro e irmão mais velho, e tornou-se um dos nomes importantes nesse processo. – Sempre aconteciam embates com ele nos treinos, a gente ali coladinho, e ele fica bolado. Falei que é uma preparação para ir para um futebol muito mais forte, com zagueiros de alto nível. Estava treinando ele para ajudar no Palmeiras e depois ir à Europa – conta Murilo, aos risos, pela relação próxima dos dois.
É tanto que há uma promessa selada entre eles : sempre que Endrick marcar um gol na Champions, Murilo abrirá uma garrafa de vinho e compartilhará o vídeo com o ex-companheiro para celebrar.
O mais difícil que já enfrentei foi Lewandowski, mas acho que o Endrick tem tudo para superar. Estou todos os dias com ele e sei que tem tudo para dificultar a vida de todos os zagueiros que enfrentar. — completa.
A liberdade, a técnica apurada e a genética, portanto, alçaram o prata da casa a destaque mundial. Por mais de uma vez, aliás, listado entre os jovens mais promissores desta nova geração do futebol.
E como se os três não fossem suficientes, Endrick passou a chamar a atenção também pelo senso de maturidade com a pouca idade. – Deus deu genética e talento, mas a mentalidade dele é muito diferente. De querer trabalhar, ser solidário, de entender o processo, mas acima de tudo de querer ser o protagonista.
Ele ajuda os outros, mas quer ser o protagonista. Para isso não é só querer, tem que trabalhar. E isso ele faz – conta o coordenador da base.
Foi assim até o último minuto, com o cronômetro marcando 34 do segundo tempo, no empate sem gols com o San Lorenzo, no dia 30 de maio, pela rodada final da primeira fase da Libertadores. Ali, a caminho da Copa América e na sequência ao Real Madrid, Endrick se despediu do Alviverde sob lágrimas diante de 40 mil pessoas no Allianz Parque.
– Imagino que seja complicado você saber que está vendido para o Real Madrid, um dos maiores clubes do mundo, e mesmo assim manter o foco no clube atual – diz o volante Zé Rafael, como quem se coloca no lugar do companheiro por um momento.
Chegar à Seleção e fazer o que está fazendo logo de cara... Ele é impressionante. Acho que o presente dele diz muito do que esperar no futuro. — reforça.
E são essas características que fazem do atacante uma das principais promessas do futebol brasileiro atual. Alguém visto pelos companheiros como um jogador completo: com cabeceio, chute forte, boa finalização, explosão e uma "velocidade que dispensa comentários". Que colhe o que planta. Capaz de carregar o mundo nos próprios pés. Como fazia a criança em Valparaíso de Goiás, nos cinco minutos de vídeo entregues ao clube, e nos campinhos do Palmeiras, que cresceram em largura a medida que o menino avançou na idade.
– É ver a concretização de um sonho – confessa o treinador, Eduardo. Acho que o Endrick seria o que ele é independente do lugar ou das pessoas, mas me sinto privilegiado de fazer parte do fenômeno que se tornou. Ele consegue ser ele, ser livre. Isso não dá limites para ele. Acho que isso é o maior legado que ele vai deixar.
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Bonita matéria. Parabéns a quem escreveu.