'Super Zé Roberto' do Palmeiras, em ilustração de Mario Alberto
Aos 40 anos e sete meses, Zé Roberto não é só o jogador mais velho do elenco atual do Palmeiras. Na quarta-feira, tornou-se o mais velho a marcar gol com a camisa do clube ao balançar as redes do Rio Claro e só não é o mais velho a entrar em campo porque o ídolo Ademir da Guia fez seu jogo de despedida aos 41 anos e nove meses.
"Velho", na verdade, não é a palavra mais apropriada para o camisa 11 em seu início no Verdão. Ele é submetido à mesma rotina de treinos dos colegas e foi fixado por Oswaldo de Oliveira na lateral-esquerda, com fôlego para defender e atacar.
"Líder", talvez, seja o termo que melhor consegue defini-lo. A preleção fervorosa antes da vitória sobre o Osasco Audax, na rodada inaugural do Paulistão, o colocou nos braços da torcida. Nas arquibancadas, já ecoa o coro que o novo capitão citou em seu discurso no vestiário: "Au, au, au, Zé Roberto é animal".
- É motivo de muita alegria ser ovacionado pelos torcedores com um coro que me arrepiava quando eu vinha jogar aqui contra o Palmeiras. Me emocionou bastante. Espero que ele continue, embora já tenha um dono, que é o Edmundo - disse.
Nesta entrevista ao LANCE!Net, Zé Roberto explica como conseguiu se manter em forma mesmo após uma passagem pelo Qatar, fala sobre os planos para a reta final da carreira e rasga elogios ao futebol alemão:
LANCE!Net: Em sua apresentação no Palmeiras, você disse que pensava em jogar até os 45 anos. Quais são seus planos para essa reta final da carreira?
Zé Roberto: Se a gente for falar de nomes vamos encontrar três, quatro, no máximo cinco que conseguiram chegar aos 40 anos em alto nível. Meu caso é meio que diferenciado. Ganhar uma Bola de Prata aos 40 anos é diferente de ganhar um troféu tão requisitado como esse aos 25, 28 ou 29... (Zé Roberto foi eleito o melhor lateral-esquerdo do Brasileirão de 2014 pela revista Placar e já havia faturado o prêmio em 2012, como meia, e 1996, também na lateral). Isso é o que me motiva. Eu hoje não posso dizer que vou encerrar minha carreira nesta temporada. Estou feliz, fazendo aquilo que mais gosto, satisfeito com o meu rendimento... Tudo isso só me anima para continuar. A partir dos 38 anos comecei a fazer contratos de um ano, que é onde eu tenho um parâmetro para saber se vale a pena continuar ou parar. O jogador que chega nessa idade já com a convicção de parar é porque está passando por uma situação que leva a isso. Eu ainda não passei por essa situação, pelo contrário. Ao término de cada temporada, faço uma análise e vejo qual é a melhor opção.
Você acha que pode mudar a maneira de as pessoas enxergarem os atletas mais veteranos no futebol?
Isso já faz parte da cultura no Brasil. É diferente da Europa, onde o atleta é visto de uma forma normal depois dos 30 anos. A maior prova disso é que, com 33 anos, recebi um contrato de dois anos para jogar no Bayern de Munique, um dos maiores clubes do mundo. Aqui no Brasil é difícil de acontecer. Estão contratando jogadores de 33, 34 anos, como os casos do Elano e do Ricardo Oliveira, por três meses. Não sou eu que vou mudar isso. Isso não me incomoda, não. Só me motiva. Quando passei dos 30 anos, comecei a viver os melhores momentos da minha carreira.
Você acha que chegou ao Palmeiras principalmente para ser um líder do elenco ou foi o seu rendimento que fez diferença?
As duas coisas. A parte técnica e a experiência eu já agrego há muitos anos nos clubes que defendo. Voltei para o Brasil em 2006 e 2007, no Santos, e fiz justamente o que vai acontecer aqui no Palmeiras. Acabei, junto com outros jogadores com esse perfil, liderando no sentido de passar experiência aos mais jovens. Isso aconteceu de uma forma natural no Santos, no Grêmio, e aqui também vai acontecer. Vou agregar a parte técnica, fiz uma boa temporada como lateral no Grêmio, ganhei a Bola de Prata, e a maior parte dos jornalistas me escolheu o melhor lateral do campeonato. Aqui no Palmeiras posso fazer essas duas funções, como lateral e como meia, onde joguei a maior parte da minha carreira. Com certeza tenho muita coisa para agregar.
No Grêmio, você chegou a perder a vaga com Luxemburgo porque o time ficaria lento. Depois, também jogou pouco com Renato Gaúcho. Com Felipão, foi bem na leteral. Foi uma resposta?
De forma alguma. Essa questão de o time ficar lento surgiu em um momento delicado, quando o Grêmio saiu da Libertadores (de 2013), em que a expectativa era grande. O Vanderlei acabou usando o Elano e eu no meio de campo, e isso acabou sendo discutido. Mas eu nunca precisei dar resposta para ninguém. Eu sempre consegui fazer o que planejei, que é chegar ao clube, ter espaço e honrar a camisa. Pude fazer isso de uma forma belíssima, tanto que em pouco tempo fiquei marcado no Santos e no próprio Grêmio. Aqui tenho certeza que não vai ser diferente. Claro que, em dois anos e meio no Grêmio, tive um período muito bom e outro muito difícil, consequência de duas lesões que eu nunca tinha sofrido. Tive uma lesão grau dois na coxa, a primeira em 21 anos como jogador, e uma entorse no joelho. Isso me atrapalhou um pouco, mas acho que o período no Grêmio foi excelente.
Antes do Grêmio, você passou um ano no Al Gharafa, do Qatar. Geralmente, quem joga lá tem dificuldade para voltar em forma. Por que você não teve?
Eu estava com 37 anos e recebi uma proposta irrecusável. Me propuseram ir jogar no Qatar por dois anos, mas eu já estava pensando em voltar ao Brasil e aceitei um ano (2011). Quando fui jogar lá, já sabia que não tinha a competitividade que temos na Europa e no Brasil, então me preparei para chegar ao Brasil no mesmo nível que eu estava na Europa, e não no Qatar. Quando eu fui, na hora liguei para o Juninho Pernambucano, que estava saindo do clube e tem a trajetória muito parecida com a minha. Perguntei como era lá, ele me informou que treinava pouco, que não tinha muita competitividade. Nos meus primeiros seis meses, levei um amigo preparador físico que trabalhou comigo no Bayern. A gente treinava só à noite, então pela manhã eu fazia academia e treinamentos específicos com ele. Isso me deu a possibilidade de manter meu rendimento do Hamburgo e dos outros clubes em que joguei na Alemanha. Quando cheguei ao Grêmio, não precisei passar pelo período de readaptação de três, quatro, cinco meses... Cheguei, fiz três semanas de preparação física e comecei a jogar normalmente.
Zé Roberto atende a reportagem do LANCE!Net (FOTO: Miguel Schincariol)
Como jogou na Alemanha, você talvez tenha alguma explicação para os 7 a 1 da última Copa. O que aconteceu no Mineirão?
Acho que é simples para quem conhece a forma de trabalhar e pensar dos alemães. A Alemanha é um país que foi praticamente destruído por uma guerra. Depois, se reestruturou e hoje é uma das maiores potências mundiais, um país que tem segurado a barra de Espanha, Portugal... É um país cuja mentalidade é a organização. O futebol na Alemanha se reorganizou com investimento na base dos clubes. Antes da base, eles foram no colégio. Antes do colégio, foram no projeto social. Eles sabiam que dali iria sair um dia o novo Klinsmann, o novo Matthaus, o novo Kahn... O Neuer está aí para substituir o Kahn, o Muller está aí para substituir o Klinsmann, o Shweinsteiger substitui o Matthaus. No meu período de 12 anos na Alemanha, aprendi muita coisa. Quando cheguei na Alemanha, minha cabeça mudou automaticamente em relação ao período no Brasil. Lá os atletas são profissionais. Você não chega faltando 15 minutos para o treino, você chega faltando uma hora, porque você precisa preparar o teu corpo, fazer algum exercício funcional para evitar lesões... Hoje me sinto um jogador completo. Quando saí do Brasil, eu era um meia que só pensava em ir para a frente e não marcava. Lá, eu aprendi a marcar. Fui disciplinado na parte tática. Hoje, na lateral, não sofro na marcação. Agreguei fatores que me tornaram um jogador completo. A seleção alemã acabou surpreendendo só a vocês mesmo... Se vocês forem dar uma olhada no meu Instagram, eu dei o meu palpite logo na estreia da Alemanha... Mesmo sendo brasileiro e torcendo para a Seleção Brasileira, escrevi que ali estava perfilada a seleção campeã do mundo. Eu já conhecia o projeto, já sabia o time e já sabia que seriam campeões.
Você acha que foi só mérito dos alemães? Não se deve repensar a Seleção Brasileira também?
O Brasil, de uns anos para cá, acabou se acomodando por ter sido penta. As outras seleções foram crescendo, não só tecnicamente, mas em organização. A gente acabou parando um pouco no tempo achando que o trabalho que era feito quando se ganhou o penta no Japão em 2002 iria dar certo em pleno 2014... Se a gente não se organizar, acaba ficando para trás. O Brasil, em algumas questões, ficou para trás. Mas hoje a gente vê uma evolução muito rápida de uma filosofia, com um novo trabalho. O Dunga teve a primeira passagem na Seleção, e hoje você vê ele trabalhando de uma forma totalmente diferente. E você vê o resultado porque ele se reformulou, está mais aberto... Hoje, acho que a Seleção Brasileira está no caminho certo. E pelo potencial que tem, muitos jogadores vão agregar muito nessa nova formação.
Você se envolveu no Bom Senso FC. O saldo é positivo?
Espaço, o Bom Senso FC não tem, infelizmente. A gente visa à melhoria do futebol brasileiro e sabe que muitas partes não pensam da mesma forma. Às vezes essas partes, que são as mais fortes, pensam em outras coisas. Infelizmente a gente não conseguiu ainda colocar em prática, mas acho que todo atleta profissional do Brasil faz parte do Bom Senso, direta ou indiretamente, porque todos querem melhorias. Estamos avançando de forma lenta, mas estamos dando passos, o que é importante. Você ter, já neste ano, este período adequado de pré-temporada (praticamente todo o mês de janeiro), já é um avanço, algo que agrega muito para nós. Mas a gente está longe de chegar nas questões que estamos buscando. O importante é dar o primeiro passo, e alguns passos a gente está dando. Acredito que no futuro muitas coisas vão melhorar.
Você disse que se inspira em Martin Luther King para exercer sua liderança e citou a frase “I have a dream”. Qual é o seu sonho no Palmeiras?
Nos clubes que defendi, minha ambição sempre foi conquistar títulos. E o Palmeiras é um clube com uma história muito grande. Quando eu soube da possibilidade, a primeira coisa que coloquei na cabeça foi vir para entrar para a história. A relação está sendo muito boa, temos jogadores com potencial muito grande, que estão com ambição, como eu. E temos um treinador com experiência. A perspectiva para que alguma coisa muito boa aconteça já foi vista no primeiro dia de contato.
Veremos outras preleções como aquela contra o Audax?
Aquelas coisas que falei saíram do meu coração, não é nada planejado. Às vezes, serviu para alguns e não teve nada a ver para outros. O mais importante é que a gente conseguiu colocar aquilo que a gente pensa.
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