[OFF] Damiani vê falhas, mas defende base brasileira: "Não é culpada de tudo"

25/3/2015 20:19

[OFF] Damiani vê falhas, mas defende base brasileira: "Não é culpada de tudo"

Em entrevista, novo coordenador-técnico da CBF fala sobre sua trajetória, primeiras medidas no cargo, problemas existentes na base brasileira e conceitos de formação

[OFF] Damiani vê falhas, mas defende base brasileira:

Erasmo Damiani trabalhou no Palmeiras entre 2013 e 2015 (Foto: Marcelo Prado)



A conversa é simples, direta, mas sem muita tensão. Em sua sala como coordenador da base da CBF, Erasmo Damiani atende telefonemas e conversa com funcionários sempre com um tom pausado e educado, quase um contraponto com a costumeira correria do mundo do futebol, mas sempre atento e observador. Ele ainda busca se adaptar ao cargo que assumiu há menos de um mês, mas deixa claro:



- gosto de um ambiente de trabalho leve, alegre- , diz o catarinense de 49 anos.



Formado e tem mestrado em educação física, ele foi corredor de atletismo (era especialista nos 400m rasos), preparador físico de vários clubes, gestor de órgãos públicos de Santa Catarina e da base de Figueirense, Atlético-PR e Palmeiras.



Damiani é o primeiro coordenador da CBF que veio diretamente da base de um clube, ao contrário de outros nomes como Branco, Ney Franco e Alexandre Gallo, que vieram dos profissionais. Bem visto pelos gestores da base de outros clubes, ele sabe o tamanho do desafio que tem pela frente, mas se vê preparado.



- Acredito que tudo o que vivi como atleta e preparador físico, na gestão pública e nos clubes em que passei, me preparou para este momento, e encaro como uma grande responsabilidade.



Em um bate-papo que durou pouco mais de uma hora, Damiani disse ainda ser muito cedo para falar sobre o próprio trabalho, e ideias para o projeto olímpico, pois está há muito pouco tempo no cargo. Mas falou com franqueza sobre o que pensa de futebol, os problemas da base brasileira e o papel da CBF na formação de jogadores que são convocados, entre outros assuntos. Confira a entrevista completa.



GloboEsporte.com: Quando você era corredor de atletismo, e depois coordenador do Figueirense lá atrás, você pensava em chegar à CBF nessa função ou as coisas foram acontecendo naturalmente?



Erasmo Damiani: Eu estaria mentindo se eu dissesse que pensava em Seleção há dez, cinco anos atrás (risos). Até porque comecei como preparador físico no futsal como preparador físico, fui estagiário de preparação física. Em 1994, recebi um convite para administrar a Fundação Estadual de Esportes de Santa Catarina, e pude aprender, nos cinco anos em que fiquei lá, muitas coisas do ponto de vista administrativo. Isso foi interessante, porque muitas vezes os profissionais de educação física não se interessam por essa parte. Em relação à CBF, era uma reivindicação dos clubes, ter alguém que passou por clubes na área administrativa, mas era algo distante. Mas hoje eu paro para pensar, e percebo que tudo o que vivi me preparou para esse momento.



E como foi essa trajetória?



Quando saí da Fundação, fui convidado para montar o futsal da Unisul, em 1999, atuando na preparação física e na questão administrativa. Em 2004, fui convidado pelo Edson Lima para ser o supervisor da base do Figueirense, que passava por um processo de reestruturação. E em um clube médio como o Figueirense, não há uma pessoa para cada função. Você é o faz-tudo, atende pai, mãe, empresário, representante. Não havia dinheiro para contratar um profissional, então eu trouxe um estagiário, o Klauss Câmara, que hoje é diretor da base do Cruzeiro.



Os técnicos da época eram o Rogério Micale, do sub-20, que hoje está nos juniores do Atlético-MG há seis anos, e o Hemerson Maria, que era nosso técnico nos juvenis e é o atual campeão da Série B. Fiquei de 2004 a 2009 no Figueirense, e foi uma grande escola para mim, em todos os sentidos, desde a escolha dos treinadores, contratações, até o ambiente de trabalho, que é importante. Gosto de um ambiente leve, alegre, com as pessoas se respeitando e se ajudando sempre.



Depois do Figueirense, você passou por Atlético-PR e Palmeiras. Como foi o processo de adaptação nesses dois clubes?



O Atlético-PR é um clube com uma estrutura totalmente nova no Brasil em termos de organização. As coisas funcionam lá de uma maneira muito correta, e eu fui para lá exercer uma função nova, que era a de coordenador de captação, então aprendi mais uma coisa nova no futebol, que é a observação mais detalhadas de atletas. Nessa função você ganha contatos, conversa mais com treinadores.



E no Palmeiras?



No Palmeiras, foi diferente. É um clube com uma torcida e uma cobrança enorme, mas que tem uma estrutura na base que está crescendo. E as coisas lá encaixaram. Não fiz nada de extraordinário lá, sempre ressalto isso, mas conseguimos nos aproximar do profissional e o clube saiu da inércia de não revelar jogadores para ter titulares vindos da base na equipe de cima. É claro que a estrutura da seleção é diferente, mas acho que tudo isso que vivi nos clubes me preparou para estar aqui.



Em algum momento da sua carreira, você escutou algum comentário negativo por não ter sido jogador?



Não, até pela forma como construí minha carreira. Me preparei para exercer minhas funções. E também fui atleta de atletismo, claro que não é a mesma coisa, mas sei o que é o clima de competição. Fui preparador físico, conheço o ambiente de vestiário, concentração, viagem, condições boas, ruins. Nunca sofri esse preconceito do tipo "ah, o Damiani não é da bola". Até porque o "não é da bola" é muito relativo. Acho que a questão é se preparar para a função.



Como você vê a formação do jogador brasileiro atualmente?



Infelizmente, não há a definição uma política que priorize a formação nos clubes. Às vezes um presidente segue uma linha, outro segue outra e quem trabalha na base sofre com isso. Eu acho que a prioridade de quem trabalha na base é sempre formar jogadores para o time principal, e tive a sorte de trabalhar com três presidentes que pensam da mesma maneira. Mas essa questão não é um consenso no Brasil, e há quem priorize ganhar.



É possível formar e ganhar?



O resultado é a consequência do trabalho. Se você forma bem, pode até não ganhar às vezes, mas vai chegar sempre entre os primeiros colocados das competições, nas semifinais, finais. É melhor ter um time semifinalista que revela quatro, cinco jogadores para os profissionais do que um campeão que não revela ninguém. Isso acontece muito.



Você acha então que o futebol brasileiro não tem essa prioridade?



Sim. Perdemos um pouco o foco. Estamos em um processo inverso da Europa. Houve um período em que o futebol brasileiro pensou: "temos que formar jogadores para vender". E a formação europeia era de jogadores altos e fortes. Nós abrimos mão da técnica para formar jogadores para vender, mas a Europa passou a buscar jogadores mais técnicos. Você vê a Alemanha, a Bélgica, são escolas que já priorizam essa parte.



Na sua visão, a CBF deve auxiliar os clubes na formação ou apenas convocar para disputar campeonatos?



Acho que ela tem que ser uma parceira. Claro que não tenho ingerência sobre clube nenhum, mas a partir do momento em que eu convoco e esse atleta passa 10, 15, 30 dias servindo à seleção, tenho que dar um feedback para o clube, dizer o que foi positivo, o que foi negativo, o que aconteceu com ele. Até porque o processo de formação é contínuo.



Depois do 7 a 1, houve diversas críticas ao trabalho de formação na base brasileira, sobretudo no que diz respeito à qualidade dos jogadores. Como você analisa esse



Em relação aos 7 a 1, vários dos jogadores saíram do Brasil antes dos 20 anos, como David Luiz, Hulk, Fernandinho, Oscar, e dos titulares, só o Fred jogou a maior parte da carreira aqui no Brasil. Foi um resultado atípico, impactante, mas não dá para jogar a culpa no trabalho de formação aqui.



Você acha que as críticas são infundadas?



Todas, não. Mas a base é sempre o patinho feio da história. Os clubes só se preocupam com a base quando estão mal no profissional. E eles geralmente não fazem os investimentos necessários. Os treinadores do profissional muitas vezes criticam a base, mas quando eles estão no time de cima, quantas vezes vão conversar com quem trabalha na base dos clubes, trocar uma ideia com o técnico dos juniores, saber o que ele pensa de futebol? Deviam fazer isso, mas muitos não fazem.



É muito fácil criticar, ir para o rádio, para a televisão e falar mal da base. Mas quem tá embaixo precisa de ajuda. O ideal seria que base e profissional se falassem sempre, fossem integradas, mas muitas vezes isso não acontece. Outra coisa: quem revela é o profissional, a base forma. Não adianta existirem bons jogadores da base se o técnico do profissional não põe para jogar ou o clube não tem a política. Ao mesmo tempo, não acho que a base seja 100% maravilhosa em todos os clubes. Muitas vezes, o resultado é a prioridade, e por isso o treinador do sub-15, ao invés de trabalhar um jogador com potencial, já busca o atleta mais forte, pronto. Porque ele acha que, ganhando, sobe para a sub-17, para a sub-20.



Isso porque o salário na sub-15 é ruim...



Sim. É um processo inverso. Acho que quem trabalha na sub-15 precisa ser bem remunerado, porque é esse profissional que vai ensinar o jogador a bater na bola com as duas pernas, a cabecear, os fundamentos do jogo. Mas infelizmente, a pirâmide é inversa.



Você assumiu a CBF há pouco tempo. Já tem alguma ideia das primeiras mudanças que irá implantar?



Sim. O Brasil é um país continental com características de regiões distintas. Conversamos com o Gilmar, e foi passado que temos que ter uma central de informações, para que os treinadores possam ter um leque maior de opções. Criamos uma rede de captação, com quatro, cinco funcionários, que vão abastecer os treinadores. Outra coisa que mudou foi a efetivação do treinador da Seleção sub-15 como funcionário, e não como prestador de serviços, como era antes. Isso dará mais tempo para ele observar os jogadores, conversar com os clubes e ter mais informações para fazer suas convocações, relatórios, viajar, conversar com treinadores, dar o feedback de atletas. Vamos criar também um banco de dados da CBF, e não de quem está na CBF. Para que, se hoje ou amanhã houver mudanças, já há uma base de onde partir.





Gallo segue mantido nas seleções sub-20 e sub-23 (Foto: Felipe Schmidt)



Após o Sul-Americano Sub-20, cogitou-se a demissão do técnico Alexandre Gallo. Como está a situação dele no momento? Ele será mantido no projeto?



Veja bem, o Gallo é o técnico da Seleção sub-20 e sub-23. E como coordenador, tenho que dar a tranquilidade para que ele desenvolva o trabalho dele. Às vezes, quando você acumula funções de técnico e coordenador, fica muito sobrecarregado. Agora como treinador, ele terá mais tempo de observar os jogadores e montar a equipe para o Mundial. Isso é importante.



Inicialmente, a filosofia será a de propor o jogo em todas as categorias?



Isso é uma coisa que ainda estamos conversando. A minha leitura é essa, de propor o jogo, jogar no toque de bola, e a gente vê no Sul-Americano Sub-17 que todas as seleções sul-americanas estão propondo o jogo, com exceção da Argentina. Temos que aproveitar muito o que o jogador brasileiro tem, que é o domínio de bola, a qualidade do drible. Os outros países ainda têm muito respeito pelo Brasil, porque o Brasil às vezes tira da cartola um jogador que ninguém conhece e faz a diferença. Mas ele precisa ter liberdade para isso. O Brasil é o país que mais fornece jogadores para o mundo, temos muitos bons jogadores (N.R: de acordo com a CBF, 13% das transferências internacionais envolvem jogadores brasileiros).



Mas você não acha que a postura desses jogadores deixa a desejar, e é fruto de uma base que não ajuda a formar como cidadão?



Acho que o entorno do atleta é complicado demais. Alguns têm uma situação familiar difícil, alguns empresários, ao invés de ajudar, atrapalham a carreira deles, que às vezes saem do zero para ganhar salários milionários. É uma mudança muito grande. Alguns clubes também têm culpa, pois reclamam que estão quebrados, mas ajudam a inflacionar o mercado pagando salários altos para esses jogadores, com medo de perder porque a legislação não o protege. Mas o clube, muitas vezes, dá a esses jogadores uma estrutura melhor do que a que ele tem em casa. Uma vez, no Figueirense, um jogador começou a chorar no CT, e fomos perguntar para ele o motivo. Ele disse que é porque ele havia comido carne, e estava chorando porque sabia que os irmãos não comiam carne em casa. Os clubes grandes do Brasil têm assistente social, psicólogo, nutricionista, psico-pedagogo, e dão um acompanhamento aos jogadores que muitos meninos até de classe média não têm.





Erasmo Damiani é o novo coordenador de base da CBF (Foto: Pedro Venancio)







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