Rafael Marques posa para o LANCE! na Academia de Futebol (Foto: Reginaldo Castro/LANCE!Press)
O céu já estava escuro e grande parte dos jogadores já havia deixado a Academia de Futebol quando Rafael Marques chegou à sala de imprensa para conceder esta entrevista ao LANCE!. Falou por quase uma hora sobre sua trajetória e admitiu estar vivendo o melhor momento da carreira, não sem antes renovar o penteado com Ricardo Belo, cabeleireiro do clube, e "resenhar" com funcionários.
O meia-atacante de 32 anos parece saborear cada minuto na condição de destaque do Palmeiras, algo que ele demorou mais de uma década para conseguir conquistar.
- Já deixei bem claro que meu planejamento é ficar aqui por quantos anos for preciso e possível. Me identifico com o clube, já tive uma passagem em 2004, e criou-se uma raiz.
De volta, com essa estrutura, esse elenco e a experiência que tenho, está sendo bacana. Mas, cara, eu quero mais - disse o jogador, que às 18h30 deste domingo, na Arena Pantanal, reencontrará a Ponte, clube onde tornou-se profissional.
Para que esse casamento vá além de 31 de dezembro, dia em que termina o empréstimo de Rafael ao Palmeiras, será preciso pagar 1,5 milhão de dólares (R$ 4,7 milhões) ao Henan Jianye, da China.
- Pode ter certeza: se os títulos chegarem e eu continuar me destacando, é quase certo desse sonho acontecer - avisou o camisa 19.
Você acha que está vivendo a melhor fase da sua carreira?
Uma das melhores. Em 2013, foi muito bacana também (no Botafogo). Está no caminho certo, mas o futebol dá muitas voltas. Em um dia você está por cima, no outro está lá embaixo. Temos um exemplo recente aqui: depois de uma grande vitória contra o São Paulo no Campeonato Paulista (3 a 0), aquela euforia, fomos lá em Campinas contra o Red Bull e tomamos uma porrada muito grande (2 a 0). Isso vai te calejando e quero que esteja sempre fresco na minha mente para ter o pezinho no chão. Quando você se acomoda, a tendência é que as coisas negativas apareçam.
Você tem contrato com o Palmeiras até o fim do ano e não quer voltar para a China. Já começou a pensar nisso?
Não falo muito da China porque tenho que manter o profissionalismo, tenho mais um ano de contrato, mas não gostei e não pretendo voltar. Não falo de todas as equipes, mas a maioria não tem estrutura. É um país que não está preparado para o futebol, eles não estão preparados para mudar. A intenção deles é financeira, pelo menos foi o que aconteceu comigo. Me compraram, pagaram o salário e falaram: “Vai e joga”. Não é assim, tem que ter estrutura, organização e acima de tudo o respeito. É uma coisa que eu não via no meu time. É uma cultura muito diferente da nossa, e para chegar ao nível de Japão e Coreia, eles têm que aprender muita coisa.
Acha que eles vão te vender?
A intenção, óbvio, é vender. Tenho mais um ano de contrato só, não há possibilidade alguma de me emprestarem de novo, não haveria benefício nenhum. Ou eles vão me vender ou vão querer que eu volte para lá, porém eu não quero voltar, já deixei bem claro. Pagando a multa rescisória, eu estou livre. Não me preocupo, acho que estou no caminho certo. Tenho que me preocupar em ir bem, buscar os objetivos do Palmeiras e os meus. Assim, pode ter certeza que no fim do ano o melhor vai acontecer.
Nesta rodada você vai reencontrar o time em que virou profissional. Como foi na Ponte?
Deu um bafafá logo que eu cheguei aqui no Palmeiras. Saí da Ponte com a razão, oito meses de salários atrasados, eram R$ 500. Eu estava sendo artilheiro nos juniores e não estava tendo chances no profissional. Teve um jogo no Moisés Lucarelli contra o Corinthians, pelo sub-20, e o pessoal do Palmeiras foi assistir. Me destaquei, fiz dois gols, sofri pênalti... Eles falaram que queriam me trazer, então meu empresário acionou a Justiça sem ninguém saber. Depois de um tempo, o Fabrício Carvalho sumiu, também pelo motivo dos salários e o Abel me convocou para um jogo contra o Atlético-PR. Pensei que ia para cumprir número no banco, mas entrei quando estava 1 a 0 para eles e fiz o gol do empate. Teve aquela euforia de torcida e imprensa, e o jogo seguinte já era o Dérbi contra o Guarani. Minha expectativa de jogar era grande, porém no meio da semana saiu a liminar para eu ir embora. Estava tudo quase certo com o Palmeiras, porém eu pedi para ficar mais esse jogo, porque era a chance que eu tanto esperava. Fiquei no banco, não joguei esse jogo.
E logo veio para o Palmeiras?
Ganhamos o Dérbi e fiz o mesmo que o Fabrício Carvalho, sumi. Ganhei na Justiça e saí escondido de lá, fui para Araraquara e fiquei uma semana desaparecido, sem atender telefone, escutando coisas a meu respeito na imprensa. Escutei calado, esperando para me explicar, porque eu estava com a razão. Nessas duas semanas, em momento algum os dirigentes da Ponte me procuraram. Será que eu não fui profissional? Depois de uma semana, apareci no Palmeiras, em dezembro de 2003. Mas não tenho mágoa nenhuma da Ponte, acho até bom falar isso. Muitos me condenaram, falaram que fui traíra, mas gosto muito de lá. Vim para cá e tive um ano meio que apagado (2004), talvez por não ter tanta experiência.
Depois do Palmeiras, você passou por Marília e Inter de Limeira antes de começar a se aventurar fora do país. Em 2005, foi para a Turquia. É muito diferente daqui?
É uma cultura diferente, porém o povo é bem parecido com o nosso, ainda mais na parte de torcida. Eu sempre quis ter uma oportunidade fora do Brasil, talvez por isso não tenha passado tanta dificuldade. Falei: “O que for preciso fazer, vou fazer”. Aprendi muita coisa, me naturalizei turco, aprendi a língua... E aprendi na parte de marcação, porque lá o campeonato é de muito contato, diferente do Brasil. Também tem o toque de bola, jogadores habilidosos, porém tem muito contato físico e exige bastante na marcação.
Você se naturalizou para jogar pela seleção da Turquia?
O Hakan Sukur, ídolo deles, estava perto de se aposentar. Eu tinha características parecidas, estava me destacando, e um repórter perguntou para o treinador da seleção se eu teria chance de ser convocado. Ele falou que sim. Foi aí que houve o interesse do clube em que eu estava (Manisaspor). Eles correram atrás de tudo para saber o que era preciso ser feito. Foi assim que me naturalizei, mas não tive oportunidade porque logo em seguida eu saí para o Japão.
Rafael Marques simula sua característica comemoração (FOTO: Reginaldo Castro)
Acha que, jogando bem, você ainda pode ser chamado?
É uma pergunta boa, até porque eu não sei como ficou a situação. Seria bacana, óbvio, porém hoje estou aqui no Brasil. Lógico que pelo fato da idade, 32 anos, pensar em Seleção Brasileira é um pouco mais difícil, mas não descarto. O futebol está evoluindo bastante e eu me enquadro muito nessa coisa tática, de marcação. Não que eu esteja sonhando, mas é algo que não descarto. Porém se houver o convite da seleção turca é de se pensar, ver o que é melhor para mim.
Você observa jogos da Seleção? Chega a se imaginar jogando lá?
Não é de hoje, acompanho a Seleção faz tempo. Os outros países sempre pegavam um pouquinho do jeitinho brasileiro, e hoje é de se pensar: será que não vale a pena pegar um pouquinho deles também? Hoje, a gente comenta entre nós, você não consegue jogar futebol sem todos os jogadores marcando. No Brasil isso está começando, mas no mundo já é assim. Tenho certeza que o Dunga está procurando acertar a Seleção, e nós esperamos que isso aconteça o mais rápido possível, porque vemos que está se perdendo aquele respeito pela camisa brasileira. É bacana aceitar que o futebol evoluiu e nós demos uma estagnada. Vale a pena pegar a parte de esquema, de posicionamento... A gente tem o exemplo maior da Alemanha, com todos os jogadores se movimentando pelo campo todo e mesmo assim compactado.
Você gosta de observar o posicionamento dos times, a tática. Pensa em ser técnico?
Outro dia fui jantar com meu empresário (Nenê Zini) e com o Roberto Firmino (atacante), e a gente estava até brincando. Meu empresário falou que até o começo do ano ele não me via com essa possibilidade, mas que que me acompanhando mais de perto agora, no dia a dia, enxerga essa possibilidade de ser treinador amanhã ou depois. Porém eu não consigo, até por ter o coração muito mole. Nessa função de treinador você tem que estar sempre firme, até porque não dá para deixar todo mundo contente, são 30 e poucos jogadores. Talvez ser auxiliar, trabalhar na comissão, mas ser treinador não penso. Óbvio que vou querer estar dentro do futebol, até porque é o que mais amo, porém acho que não é essa a função que espero.
O Oswaldo de Oliveira paga por ter esse coração mole?
O Oswaldo é um cara muito bacana, meu. Talvez possa até ser isso, coração mole na hora em que era preciso ter dado uma dura ou ter agido mais com a cabeça do que com o coração. Talvez seja isso. Eu sou muito suspeito para falar do Oswaldo, porque tenho um carinho muito grande por ele. É um cara que me ajudou bastante quando voltei para o Brasil (no Botafogo). A gente tomou muita porrada lá no começo. Conhecendo bem, posso dizer que ele tem o coração mole, porém é um cara muito sério e muito correto. Isso eu sempre admirei nele e procuro ser assim com as pessoas ao meu redor. Tenho como exemplo.
Ficou surpreso com a demissão?
Não só eu, acho que todos. A gente lamentou muito, eu principalmente, por ser muito próximo dele, porém a gente sabe que futebol é assim. Quando as coisas não dão certo, o primeiro a estar na reta é o treinador. Tentei digerir o mais rápido possível e focar nos objetivos, até porque tenho certeza que é isso o que ele quer. Tive uma surpresa muito boa porque, querendo ou não, o Marcelo Oliveira tem o mesmo estilo do Oswaldo. Vejo que é um cara comunicativo, educado, que dificilmente você vê estressado, não vê falando palavrão... Eu tenho a sorte de estar trabalhando com outro treinador com a mesma característica do Oswaldo. Seria muito difícil pegar um treinador com outras características, até porque é o modo que eu gosto também. Sou muito assim também, tranquilo, educado, simpático, e tive a sorte de poder conhecer o Marcelo, que deu uma continuidade no trabalho, é parecido até no esquema tático. Vocês estão vendo como a gente está jogando.
O esquema é o mesmo, a escalação mudou pouco, mas o Palmeiras parece ser um time que hoje define as jogadas mais rápido. Concorda?
Talvez seja coincidência. Acho que a mudança partiu dos jogadores também. É óbvio que o Marcelo está procurando colocar algumas coisas, mas partiu de nós. Como eu falei, eles são muito parecidos, o esquema tático é o mesmo. Se não melhorasse, a culpa seria dos jogadores. Tivemos uma conversa lá em Atibaia, só nós. Procuramos fazer uma autocrítica de cada um para saber o que pode ser feito, e já no jogo do São Paulo (4 a 0) a gente viu que para ganhar seria preciso entrar naquele esquema de todos marcarem, estar compactado. Foi o que fizemos em alguns jogos no Paulista. Analisando isso, vimos que o grupo tem qualidade, basta a gente querer, basta respeitar o esquema tático, basta a gente respeitar o futebol de hoje. Se não é todo mundo que está consciente de que tem que marcar, dificilmente você sai vitorioso. Vamos pensar sempre que se for preciso ralar a bunda e sair sacrificado, vamos ter que fazer.
Vai encerrar a carreira aqui?
Por que não? Mas acho que tenho no mínimo uns quatro, cinco anos ainda. Com 32 anos, não é fácil correr o que estou correndo aí (risos).
OS CAUSOS DE RAFAEL
Lua de mel - Nenê Zini, empresário de Rafael, conta que tirou o jogador da lua de mel para levá-lo à Turquia e fechar com o Manisaspor. "Não fui ao casamento porque estava lá negociando e interrompi a lua de mel do Rafa. E ainda continuamos juntos (risos)".
Na saudade - Natália, filha de Rafael, nasceu no meio de 2006, quando ele estava deixando a Turquia para ir ao Japão. Como o campeonato estava em andamento, mal teve tempo de curtir a herdeira. "Falei que só viajaria depois do parto. Fiquei dois dias com ela e depois cinco meses longe, vendo só por Skype até o fim da temporada".
Tsunami - O tsunami que matou mais de 15 mil pessoas no Japão em 2011 fez com que Rafael passasse a admirar ainda mais o país. "O povo se ajuda bastante. Em seis meses, estava tudo arrumadinho", diz. "Ele foi um dos únicos brasileiros a ficar lá treinando, com o campeonato parado", conta Nenê Zini.
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