Um dos principais treinadores no Brasil anos últimos 5 anos, Dorival Júnior, técnico do Santos, deu uma entrevista exclusiva para o Painel Tático sobre sua filosofia de jogo, os times que treinou e um pouco da atual situação do futebol brasileiro.
Painel: Você sempre foi conhecido por ser um treinador ofensivo, não apenas no Santos. Como você definiria sua filosofia de jogo?
O conceito que sempre me acompanhou é a busca pelo gol a todo momento. Gosto de montar equipes de orientação ofensiva. Acredito que futebol é isso: trocar passes em velocidade, buscando o gol sempre.
Painel: O Santos de 2010 entrou para a história fazendo muitos gols. Tavez seja o último time de "futebol-arte". Como foi a montagem do time?
É interessante, pois aquele time jogava sempre em 45 metros, no campo adversário. Então tinha momentos que não dava pra definir - 4-2-3-1 ou 4-3-3 - pois sempre estava no ataque. Havia uma mobilidade constante e trocas de posição entre Neymar e Robinho, mas na perda da bola buscávamos recuperar na frente, no campo do oponente. O combate começava por dentro, com a base sendo o Paulo (Ganso) e o Neymar. Tínhamos bastante posse de bola, ajuda a explicar o número de gols daquela equipe.
Painel: Na época eram muitos jovens recém promovidos da base. Não só eles, mas André, Lucas Lima, Oscar, Nathan, João Pedro - o Bernard, que poucos lembram, mas foi você que lançou no Galo. Como é trabalhar com a base? Precisa de uma sensibilidade especial?
Eu gosto. Foi assim com Figueirense, Fortaleza, Inter, Atlético-MG. Sempre priorizei as categorias de base pois é lá que há condições de fortalecer o clube. Tudo que é feito na base precisa ser mostrado. Se o treinador de cima não dar essa oportunidade a base não aparece. Quem forma é o treinador da base, que não aparece e não tem o trabalho valorizado. Nós, treinadores principais, damos as chances.
Painel: Depois do Santos você passou por Atlético-MG e Inter e não conseguiu completar um ciclo completo na temporada. Como você vê essa instabilidade: prejudica a formação da equipe?
Muito. Prejudica em todos os aspectos e o futebol brasileiro ainda não aprendeu. Continuamos demitindo por demitir, com aquela pressão absurda em cima do treinador - e não é defesa da minha classe por ser treinador, pois já falava isso quando jogador, quando o futebol brasileiro ká partia pra esse caminho.
No Galo em 2010, Dorival driblou os desfalques de Obina, Tardelli e Daniel Carvalho e tirou a equipe do rebaixamento. Foi demitido em agosto de 2011.
Trabalhos de médio e longo prazo dão resultados pois é preciso tempo para reformular e estruturar uma equipe, e não há paciência aqui. Estamos na contramão da história do que foi certo, e não aprendemos com o 7x1. É sempre um exercício de jogar a culpa em 1 ou 2 pessoas e apontar culpados, nunca apontar a si mesmo como o culpado.
No Inter em 2011, Dorival apresentou um 4-2-3-1 leve e rápido. Oscar cresceu em 2012, mas o trabalho não teve continuidade.
Painel: É cultural?
Sem dúvidas. Estamos vivendo num país que culturamente tem essa estrutura deformada.
Painel: Isso se relaciona com o que você e o Vágner Mancini fizeram: estiveram na Europa para ver treinamentos, buscar conhecimento...como foi esse intercâmbio e quais as diferenças que você viu?
Já é o terceiro ano que faço isso: estive no Chelsea, no Bayern, nos dois times de Roma e Madrid. Fiquei satisfeito de ver que a metodologia de trabalho da Europa não é tão diferente da nossa. Não fui para buscar reciclagem, pois isso você não faz em 40 dias, fui para constatar o que está acontecendo com nossa maneira de trabalhar e a maneira do europeu. É muito simples: tempo. O europeu desenvolve um trabalho pois no mínimo fica no prazo do contrato.
Painel: /b>Entra na questão de planejamento e demissão em massa de técnicos, não?
Sim. Foi o que conversamos com Ancelotti. Era mais ou menos 15 de março (de 2015) e falamos pra que o Brasil teve pela primeira vez a oportunidade de uma pré-temporada. Naquele dia, 45 dias depois do início dos campeonatos, disse a ele que 76 treinadores já haviam sido demitidos no Brasil. Ele não acreditou! Disse que há muita pressão na Europa, mas os técnicos sabem que vão até o fim do contrato. Eu falei que essa é a grande diferença daqui pra lá. Veja quantos treinadores da Série A perderam o emprego nesse ano.
Painel: Questão de contexto que afeta o trabalho Realidade do Brasil é diferente da Europa…
Sim, e o Brasil caminha pra isso. Estamos quase no fim do turno e mais de 14 treinadores perderam o emprego. O profissionalismo emperra. Será que estamos certos? Será que não vamos aprender nunca? Será que é sempre uma figura responsável por tudo? Pra você ver pra onde estamos caminhando...
4-3-1-2 de Dorival no Palmeiras era ofensivo, mas esbarrou em pressão e muitos desfalques - acabou demitido no fim de 2014.
Painel: Em 2012, no Flamengo, uma coisa chamou a atenção: a utilização de Léo Moura como volante. Como você montou aquele Fla que acabou saindo do Z-4?
Foi uma equipe que não montei, eu encontrei. Terminamos os últimos 9 jogos invictos. Minha ideia de jogar o Léo Moura como volante surgiu da sequência não tão boa dele como lateral e o Wellington Silva numa crescente. Abri um espaço pro Léo e tínhamos um meio-campo com jogadores muito igual em termo de característica. Melhoramos no outro ano, que poucos se lembram, mas foi a base do time campeão da Copa do Brasil.
Painel: Você está apenas no início de trabalho no Santos, time mais vencedor da carreira, mas já mostra coisas interessantes: a volta do Gabriel, o Lucas Lima recuado (contra o Palmeiras), muita velocidade….qual é sua idea para o time? E como pretende usar Lucas Lima?
A princípio não quero o Lucas tão recuado, pois perde muito do que ele tem de melhor, a chegada na intermediária e distribuição de bola. Quero ver o Lucas pisando na área pois ele tem qualidade pra isso. O que penso é tentar usar mais a velocidade em prol da equipe: mais troca de passes e aproximação em velocidade e não velocidade com posse de bola.
É a bola que precisa correr, não o jogador correr com a bola dominada - a condução. Vejo que é isso que anda quebrando a hegemonia do futebol brasileiro: temos jogadores de velocidade, que carregam, que conduzem, mas não temos equipes que troquem passes que chegam e envolvam o adversário. Busco montar equipes que troquem passes em velocidade para a bola circular bem.
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