O fenômeno é recente e já pode ser considerado a primeira tradição genuína do Allianz Parque: durante a execução do Hino Nacional, nossa torcida acompanha a melodia composta por Francisco Manoel da Silva com uma letra própria. Acompanhem:
Mesmo com a falta de métrica e com as frequentes escorregadas, sobretudo na virada do trecho “Mas se ergues, da Justiça, a clava forte...”, a prática é muito divertida. Alia amor ao Palmeiras, bom humor e rebeldia.
Como sempre, há quem seja contra. Os críticos condenam a falta de civismo e o desrespeito a um símbolo da Pátria. De fato, a rigor, isso acontece, mas fazem-se necessárias algumas ponderações.
O que temos nos estádios do século 21 é a banalização da execução do Hino Nacional. Na década de 80 nos acostumamos a ver bandas militares entrando imponentemente no gramado com seus instrumentos dourados e reluzentes, dando um ar distinto à execução, que só acontecia em jogos internacionais, da Seleção Brasileira (quando a Seleção jogava no país) ou de clubes representando o Brasil na Libertadores. Era algo realmente importante.
Inspirados pelas transmissões dos chamados esportes americanos pela TV, entretanto, alguns parlamentares encontraram um jeito de engrossar suas listas de projetos aprovados e instituíram a obrigatoriedade da execução do Hino antes de qualquer evento esportivo.
A prática, no início, imitou à risca a tradição do país que a inspirou, com muitos artistas populares tendo a chance de darem suas próprias roupagens ao Hino – algo que muitas vezes proporcionou momentos constrangedores. Com o tempo, o cumprimento da lei acabou sendo adaptado a necessidades de ordem prática, e o uso do playback se consolidou, tirando qualquer resquício de imponência do ato.
O povo estadunidense tem em sua cultura o amor por seu país. É algo enraizado, visceral. A execução de Star Spangled Banner é algo que os enche de orgulho a cada acorde, seja no Superbowl, seja em prosaicas competições escolares. A letra é simples, o povo a entende e se sente representado.
O mesmo não se pode dizer da composição de Joaquim Osório Duque Estrada, cheia de inversões na estrutura de construção dos versos, inacessíveis à compreensão do brasileiro médio. Ao tentarem copiar o costume estadunidense no Brasil, os nobres parlamentares desprezaram o fato que grande parte da população não tem acesso a necessidades básicas que deveriam ser providas pelo Estado. Talvez seja por isso que, em troca, cometa no dia-a-dia atrocidades cívicas, como fazer das calçadas e ruas do país um imenso cesto de lixo.
Certamente as mesmas pessoas que cantam a versão palmeirense do Hino Nacional no Allianz Parque entoam a letra correta fora dele – ao menos quando a execução é legítima, nas poucas ocasiões aceitas pela cultura brasileira, algo construído naturalmente ao longo de muitos anos. Mas como exigir que um povo respeite cegamente um símbolo de um país que não o respeita, sobretudo num ritual forçado, enfiado goela abaixo?
Nossos governantes e parlamentares deveriam achar meios para que o amor pelo país e o civismo viessem da alma da população, não fabricado artificialmente por leis. A paródia de nossa torcida é uma resposta a tudo isso. O palmeirense ama o Palmeiras muito mais que ama seu próprio país, sobretudo nos momentos que antecedem aos jogos. E provavelmente isso acontece com todas as torcidas. Só não tiveram a picardia e o espírito-de-porco, no melhor dos sentidos, que nós, palmeirenses.
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