Marcelo Oliveira está no Palmeiras há menos de dois meses e em pouco tempo mudou a cara da equipe. Seu trunfo para isso é algo que à primeira vista pode ser visto como simples, mas o técnico sabe que, sendo bem usado, pode virar “uma bomba”: a conversa.
Desde os tempos de jogador, o comandante é convincente. Promovido aos profissionais no Atlético-MG em 1969 pelo mestre Telê Santana, seu mentor, ele lembra que sempre teve boa relação com os elencos que integrou. Agora como treinador, a forma como trata os jogadores é um diferencial, ajudada, claro, por ser o atual bicampeão brasileiro pelo Cruzeiro.
Na Academia de Futebol, Marcelo não teve muito tempo para treinar. Foi com reuniões e bate-papos que ele conquistou sete vitórias, um empate e sofreu apenas duas derrotas. “Obstinado e apaixonado pelo seu trabalho“, o treinador conversou com o LANCE! sobre os ensinamentos de Telê, o que ainda quer mudar no Palmeiras, as “lições” que trouxe para ser campeão brasileiro, e como fazer para a euforia não atrapalhar o ambiente no clube antes de rever a Raposa.
Como conseguiu fazer o time reagir em tão pouco tempo?
Já tinha uma base de time sendo construída pelo Oswaldo. Neste tempo tentamos colocar nossa proposta. Nos últimos anos temos feito trabalhos com equipes que são muito ofensivas, tanto Coritiba quanto o Cruzeiro, então é isso. Colocamos que era necessário marcar, mas com jogadores técnicos, para quando roubar a bola ter boa posse, ou investir na velocidade para chegar no gol adversário. Em alguns momentos pudemos treinar, em outros foi falando, conscientizando o jogador desta necessidade.
Em comparação ao Oswaldo, o time com você fica menos com a bola. É uma determinação sua?
É um defeito que a gente precisa corrigir. Tenho cobrado muito duas situações: uma era a marcação mais encurtada, porque mesmo ganhando os outros times ficavam muito com a bola, rodavam dentro do nosso campo, o que é ainda pior. Temos trabalhado muito a marcação mais encurtada e a posse de bola. Uma coisa é o jogador saber definir a hora de contra-atacar e chegar rápido na frente, e outra é quando o time adversário está bem postado, e a gente tem que ficar com a bola. É uma situação que precisamos melhorar. Só tem uma bola em campo, se você estiver com ela, não vai tomar o gol e vai desgastar o seu adversário tendo de marcar.
Ser o atual técnico bicampeão brasileiro dá um peso maior na hora de falar com os jogadores?
Não tenho esta certeza. É passando orientação consistente, algo que temos convicção e que eles possam entender e responder bem. Quando tiver tempo de treinar, vamos treinar. Taticamente também trabalhamos bem, e só acredito em futebol com a preparação, muito mais do que a conversa. A preparação no campo tem que ser bem feita, intensa.
Não acha então que os jogadores confiam mais no que você diz por conta deste sucesso recente?
Talvez. Como o jogador brasileiro precisa a toda semana de uma mobilização, como bicampeão brasileiro talvez (pese) ainda mais. A gente traz ensinamentos destas duas temporadas que foram importantes. Regras, aspectos técnicos que possam ser inseridos no dia a dia de trabalho.
Para ser campeão, você cobra vencer sempre em casa, ter aproveitamento acima de 50% fora de casa. Há uma receita?
Não tenho esta pretensão de ter a receita, mas funcionou nos dois anos no Cruzeiro. Tivemos aproveitamento altíssimo em casa, de 80% ou perto disso, e acima de 50% fora. É algo teórico, mas que pode funcionar. E se você puder ter mais (vitórias) fora, e às vezes não ganhar em casa, vale do mesmo jeito. Não é uma receita definitiva, mas pode funcionar bem.
Como no Cruzeiro, o Palmeiras tem feito gols cedo nos jogos. É uma determinação esta pressão?
Isso tem a ver com os pontos corridos, de ter alto aproveitamento em casa. Vamos ter adversidades fora de São Paulo, então temos de apertar os adversários aqui. É o estádio do Palmeiras, uma torcida presente, que empurra o time. O adversário tem que sentir isso, e temos de dar o cartão de visita. Tem funcionado. Hoje o gol tem aspecto psicológico muito grande, pode mudar o rumo do jogo.
O que está sendo feito para evitar que a euforia atrapalhe o grupo em um torneio tão longo?
O que a gente pensa e conversa no nosso grupo é que precisamos naturalmente comemorar depois de uma vitória, mas a euforia fica para o torcedor. Eles têm este direito; nós, não. Não pode se acomodar com o que já se fez, porque temos um time em formação. Esperamos conviver com este sentimento, de ser um time que vai brigar pelo título.
Fazer um bom trabalho em São Paulo pode colocá-lo finalmente como o melhor técnico do país?
Para ser bem sincero, não penso individualmente. As coisas, para mim, podem acontecer de forma bem natural. Eu tenho de ser intenso, obstinado pelo trabalho, e faço isso. Sou apaixonado pelo que faço, se precisar ficar o dia todo no campo, fico com o maior prazer. O importante é o Palmeiras ser campeão. A conquista é que marca a história. Temos de ganhar títulos importantes e assim todos se valorizam, incluindo o técnico.
Você pode igualar o que só Rubens Minelli e Muricy Ramalho conseguiram: ser tri-brasileiro seguido. Pensa nisso?
São excepcionais, até por isso conseguiram esta marca de títulos consecutivos. O Minelli, muita experiência, muita vivência, e Muricy da mesma forma, eu e ele fomos contemporâneos (como jogadores), até amigos. São referências de pessoas muito intensas, sérias no trabalho, que não davam brecha. Trabalhos intensos, corretos. Não penso no dia a dia, mas se vier será muito bem-vindo, pois seria um título para o Palmeiras. Se acontecer, ótimo, se não, segue o barco.
Qual técnico você tem como um exemplo para a carreira?
Como jogador, trabalhei e convivi muito com o Telê Santana, me tornei amigo dele. E trago muita coisa dele como referência. Depois, já como técnico, convivi muito com o Levir Culpi, um dos grandes técnicos no Brasil. Ele tem um trabalho de campo muito bom, ambiente bom, de camaradagem e ao mesmo tempo de cobrança. São os dois técnicos que tenho como referência.
No domingo você vai voltar ao Mineirão, agora sendo rival do Cruzeiro. O que espera?
Há uma expectativa muito bacana, depois de uma convivência maravilhosa com o torcedor, que sempre tem palavra de carinho, apoio, agradecimento. O do Atlético-MG também tem uma palavra de respeito pelo tempo que passei lá. Vai ocorrer algo emocional, mas no jogo estamos absolutamente concentrados na vitória e no desempenho do time.
O Telê tinha preocupações amplas no clube, além do time. O que você usa dele no dia a dia?
Muita coisa, ele até me orientou. Era muito jovem quando subi para jogar com ele, de 16 para 17 anos. Ele gostava do meu perfil como atleta. Não era de sair das regras que os atletas têm de obedecer. Via ele orientar muito os jogadores, e eu também faço quando há uma intimidade maior. Os jogadores hoje têm os agentes, mudaram a cabeça também, se cuidam mais. Talvez o que mais trago do Telê é a obstinação técnica. Ele treinava muito, repetia muito, e a gente faz isso hoje. Tem de ter a bola, bom passe, bom lançamento, boa virada de jogo, bom cabeceio, boa finalização. Talvez isto seja algo que eu trago do Telê.
A forma como você lida com o jogador é sua maior qualidade?
Não quero ter esta pretensão de que eu me dou muito bem com jogador, até porque em algum momento alguém vai reclamar ou vai ficar com a cara fechada porque está sendo pouco utilizado. Mas ao mesmo tempo eu tenho esta facilidade de aglutinar. Trabalhei no Coritiba quase dois anos sem ter de tirar o jogador de um treino, sem bater boca, e no Cruzeiro as incidências são muito pequenas em dois anos e cinco meses. É um trabalho de toda a comissão, de ter a cobrança, exigência de melhorar, trabalhar, mas ter a camaradagem de entender o atleta, puxar para cima.
E como fazer para lidar com tantos atacantes no elenco e manter todos satisfeitos?
Na primeira reunião que fizemos colocamos as regras e minha forma de trabalhar. Aí ninguém chega lá na frente dizendo que não sabia que era assim, porque já foi falado. No dia a dia você vem conscientizando muito o atleta sobre isso. Alguém que poderia jogar vai estar fora, sim. Mas é o seguinte: para ganhar título, você precisa ter mais jogadores de ótima qualidade. Jogador precisa saber disto.
Qual a importância da reunião dos jogadores em Atibaia, sem a comissão técnica presente?
Teve efeito muito positivo. Fiquei muito feliz, não havia estimulado isso aqui, mas fiz em outros grupos e quando jogava. É para lavar roupa suja, cobrar, saber para qual caminho está indo. Foi um ponto forte.
Quais as lideranças do elenco?
O Palmeiras tem algumas lideranças por postura. Diria que o Zé Roberto é uma delas, o Fernando Prass, jogadores que se apresentam na hora de falar, o Lucas, que é o capitão no momento. Tenho referências técnicas, o Robinho é uma delas, um cara que está sempre trabalhando, não gosta de perder. A combinação de lideranças é importante para sustentar os outros e até para eles se cobrarem.
Por que o Lucas como capitão?
Eu teria de imediato o Prass, que tem uma postura excepcional, mas é goleiro. E o goleiro tem de estar a maior parte do tempo concentrado na jogada, iria dividir a atenção com o fato de ser capitão. Achei o Lucas uma boa opção. Se o Zé estivesse jogando mais seria ele, e que bom que temos opções para a função.
Como era o Marcelo jogador?
Fui capitão poucas vezes, gostava de intervir quando o técnico dava liberdade. Menos para cobrar, mais para participar da interação da parte tática, de dar uma sugestão sobre o adversário. Sempre fui atento a isto. Participava de todos os grupos, inclusive dos que bebiam, embora bebesse pouco na época (risos).
O que você fez para fazer o rendimento dos atletas crescer?
Tenho a seguinte teoria: você cobrar de alguém que já fez é mais fácil do que alguém que nunca fez. Às vezes a palavra do técnico, a orientação, ou a atenção do técnico é como uma bomba, pode transformar um jogador que aparentemente não está bem no momento.
O Gabriel Jesus é, de fato, um jogador diferente?
Ele é diferente, mesmo, bom jogador. Um menino absolutamente concentrado no trabalho, se doa muito. Só temos de ter cuidado de não tê-lo como uma solução para o time, ser um jogador que entra aos poucos, gradativamente crescendo, daqui a pouco faz dois gols, em outro jogo não vai bem, porque o adversário está muito fechado. É um jogador que tenho um carinho muito grande, vai crescer muito aqui. Não só eles, mas os jovens são muito bons, o lateral-direito é excepcional, o Nathan é muito bom, e outros. O Palmeiras está fazendo bons jogadores.
A Crefisa tem feito vários investimentos no clube e diz que deseja fazer uma parceria até melhor que a Parmalat. O que acha disto?
Eu até estive com ele (José Roberto Lamacchia, dono da Crefisa) aí semana passada, e vi que ele estava muito feliz mesmo, reconhecendo a grandeza do clube, a parceria que vem dando certo e o crescimento do time como um todo. É importante, pessoas que possam investir, acreditando no trabalho, honestidade, e no crescimento do trabalho. A gente espera que esta conjunção de coisas boas possa nos levar a títulos. Custo do futebol é alto, mas com investidores, dando a resposta em campo, todos ganham.
Qual o melhor time do Brasil?
Hoje é o Atlético-MG, aquele que tem mais consistência de jogo, mas outras equipes estão perseguindo, como Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, também. Vai ser uma briga boa pelo título (brasileiro).
3411 visitas - Fonte: Lancenet!