O Campeonato Brasileiro teve 23 trocas de técnicos em 27 rodadas completas. A média é de pouco menos de uma queda por jogo de cada time. E para mudar esse panorama, o comandante do Avaí, Gilson Kleina, propõe uma legislação para os treinadores, sugerida em reunião da CBF com os profissionais da Série A, no fim de abril. Na sua ideia, cada treinador só trabalharia em um time da primeira divisão por ano, e os clubes só poderiam trocar duas comissões técnicas por temporada.
A solução apontada para acabar com a dança dos técnicos no futebol brasileiro teria de ser abraçada pelos três pilares envolvidos na questão, segundo Kleina.
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– Tem de acabar de uma vez por todas com um clube trazer quatro treinadores no ano (nota da redação: o Fluminense teve Cristóvão Borges, Ricardo Drubscky, Enderson Moreira e Eduardo Baptista em 2015), ou um treinador trabalhar em três clubes na mesma competição. Precisamos nos organizar e passa por esses três órgãos: treinadores, clubes e CBF – disse.
No banco de reservas onde costuma se sentar para dirigir o Avaí, no estádio da Ressacada, em Florianópolis, Kleina concedeu entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com para expor ideias. Entre elas, falou sobre a passagem pelo Palmeiras, de setembro de 2012 a maio de 2014, considerada a "grande escola para virar técnico de ponta" e onde revelou um arrependimento: passividade diante das saídas de referências como Alan Kardec (São Paulo) e Henrique (Napoli).
Depois de passar por Bahia e defender o Avaí desde março deste ano, ele acredita que só com a conquista de um título voltará ao patamar dos grandes clubes brasileiros. Mas antes do papo sério, segundos de descontração, após ser alvo de uma brincadeira do capitão avaiano, Marquinhos. O treinador ficou muito pressionado após resultados ruins e a queda vertiginosa até a zona de rebaixamento, há quatro rodadas, antes de conquistar três vitórias seguidas sobre Goiás, Figueirense e São Paulo.
- Até outro dia estava para ser demitido e agora está dando entrevista exclusiva - brincou o camisa 10 do Leão.
Gilson Kleina propõe nova legislação para treinadores do Brasil: um clube de Série A por ano (Foto: Marcelo Hazan)
GloboEsporte.com: Você ficou perto de ser demitido do Avaí, conseguiu três vitórias e agora comanda o único time catarinense fora do Z-4. Como foi essa recuperação?
Gilson Kleina: Pela atitude dos jogadores e inteligência da diretoria. Quando o resultado não vem, o normal é trocar o comando. Tem de avaliar a preparação, o durante e o depois. Se você analisar somente o resultado, vai demitir. Mas no Avaí eles analisaram da maneira certa e nunca deixamos de passar para os atletas que eles poderiam reverter o quadro. Nosso investimento é o menor e sofremos com a perda jogadores, como os atacantes.
Buscamos alternativas e no Brasileiro você não tem tempo para adaptação. Quando entramos na zona, disse para a diretoria que se acontecesse a necessidade de fazer algo, que fosse feita no meu comando. Blindei os jogadores e protegi o clube. Falavam que a queda era inevitável. Não para aqueles que estão aqui no Avaí, que acreditaram no trabalho.
Ou seja, você chamou a responsabilidade...
Como estou no dia a dia, posso mensurar e ver se meus jogadores estão motivados. Sempre vi atitude nos olhos e comprometimento nos treinos. Quando oscilamos, fizemos jogos bons, contra Internacional e Corinthians. Depois engatamos uma sequência. O que gerou expectativa foi o duelo com o Coritiba. Perdemos (por 2 a 0) e gerou um clima de pessimismo por parte da torcida, mas tivemos força para resgatar e fazer nove pontos (contra Goiás, Figueirense e São Paulo). Em nenhum momento cogitaram a minha saída. Eles (diretores) falaram que me davam o respaldo e o presidente entendeu que era questão de tempo. Agora é não parar por aí.
Quantos pontos precisa fazer para evitar a queda?
Nós projetamos 45 pontos no início do ano. Nunca houve uma queda com esse número. Hoje estamos um ponto fora do Z-4 e acredito que com 44, hoje, você permanece. Mas isso muda de rodada a rodada (nota da redação: o Avaí tem 32 pontos, na 15ª colocação).
Kleina projeta 45 pontos para fugir do rebaixamento no Brasileiro (Foto: Diego Madruga)
Mudando de assunto, qual análise faz da sua carreira e o que pensa para 2016?
De 2009 a 2014, eu vivi uma ascensão. Colocamos a Ponte Preta na Série A e fomos finalistas do Paulista. Fui finalista com o Palmeiras e nos classificamos para a Libertadores com os meninos da base. Perdemos jogadores na remontagem da volta para a Série A e, por um desgaste, não pudemos transformar a equipe. Tive um convite para salvar o Bahia, mas não fomos competentes. Nesse ano a diretoria do Avaí me apresentou um projeto e eu achei justo. Então fiz um trabalho de metas curtas: manter o Avaí na primeira divisão. Como meta média é dar uma conquista e um calendário mais luxuoso ao clube. A meta mais longa é voltar aos grandes, mas aí com objetivo de conquistas.
Então, o caminho de volta para os grandes clubes passa por um título?
Sim. Tive grandes trabalhos. O título maior foi o da Série B e trazer um gigante (Palmeiras) para a elite. Vamos tentar fazer essa reformulação aqui e fazer o time dar um salto. A cada ano há crescimento de torcedores do Avaí no estado e esperamos ver esse clube em um patamar melhor. No Brasil a oportunidade aparece em uma situação ruim do time grande. É mais difícil iniciar um trabalho e é isso que eu quero. Está aflorado na minha cabeça e quero ter uma conquista de título aqui para depois voltar a esse patamar.
Kleina participou de encontro dos treinadores da Série A do Brasileiro em abril na CBF (Foto: Rafael Ribeiro / CBF)
O que pensa sobre as constantes demissões de treinadores?
Vi muitas trocas nesse ano. Definitivamente, clubes, treinadores e CBF precisam falar sobre uma legislação. Treinador não poderia trabalhar em mais do que um clube na Série A. É um contrato no ano na Série A. E se tiver de trabalhar, só na B, C ou D para acabar com essa situação de troca. E a mesma situação com os clubes. Só poderiam trocar duas comissões por ano, para entender qual perfil e planejamento quer com a comissão técnica. Definitivamente, todos nós temos de passar ao torcedor qual é o objetivo do ano. Todos falam que querem ser campeão ou pegar uma vaga na Libertadores. Ninguém fala do filho feio que é disputar contra o rebaixamento ou ficar no meio da tabela. Tem de ter uma análise do elenco, do ano e do investimento para chegar e falar qual é o objetivo principal. O futebol permite ser campeão mesmo com investimento menor, desde que parta dessa situação. Se todos nos vendermos uma ilusão, todos seremos cobrados. Por isso acontece essa pressão no treinador. Tem de acabar de uma vez por todas um clube trazer quatro treinadores por ano, ou treinador trabalhar em três clubes na mesma competição. Precisamos nos organizar.
Mas você sugeriu essa proposta de legislação na CBF?
Participamos de uma reunião na CBF e coloquei que sou a favor de uma legislação. Primeiro: treinadores terão de evoluir sempre e ser capacitados. Você será contratado por um clube com objetivo claro. Se for Libertadores, tem de ter um investimento. Se for título, o investimento é ainda maior. Se for a permanência, precisa de um plano alternativo, porque se perder jogadores precisará trabalhar com condição de liberdade para base. Não pode (trocar técnico) com qualquer resultado ruim (trocar técnico). Todos clubes oscilam. Todas as vezes em que oscilaram trocaram de treinador. O problema estava só ali? Daqui a pouco os problemas voltam. Tem de entender que precisa ter no máximo duas comissões por ano. Os clubes vão parar de ter grandes gastos, mas terão de entender qual o perfil dos profissionais com os quais querem trabalhar.
É favorável à contratação de técnicos estrangeiros?
Sim. Não temos de ter um mercado restrito aos brasileiros. Mas nós também estamos capacitados, buscamos alternativas. Infelizmente não temos o idioma, mas também treinamos para falar inglês, francês e espanhol. Lutamos para também ter um patamar diferente lá fora e ser respeitado.
O que pensa do Osorio e do rodízio no futebol brasileiro?
Tudo passa pelo tempo dado aos conceitos do Osorio. O futebol brasileiro é diferente do resto do mundo. Tem 12 grandes no campeonato e é um continente. Você joga com uma temperatura em cada lugar, com características regionais específicas. Temos de saber aproveitar o legado que ele traz, de conceitos. Trabalhei na Europa e a cultura é diferente. Os jogadores entendem melhor o rodízio. Aqui tem de ser melhor trabalhado. Jogador brasileiro sai de forma diferente, não entende dependendo da situação. Tem os dois lados: com o rodízio todos ficam em atividade, mas às vezes não tem entrosamento e identidade. Por outro lado, todos estão jogando e não podem reclamar de falta de oportunidade. As grandes equipes brasileiras tiveram conquistas com identidade e mantendo um time. Será uma polêmica a ser analisada com tempo.
Gilson Kleina dirigiu o Palmeiras entre setembro de 2012 e maio de 2014 (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Você tem algum arrependimento durante os quase dois anos de Palmeiras?
Poderia ter brigado mais para não perder jogadores importantes. Administrado melhor a situação do Alan Kardec. A perda do Henrique também. Depois ele foi para a Copa do Mundo (2014). Eram referências, porque disputaram a Série B (2013). Fizemos contratações pontuais, mas em algumas horas não é só campo que resolve. Se administrasse melhor o Brasileirão que iríamos enfrentar... Eu poderia ser mais incisivo, mas é crescimento. A forma como administrei e aceitei isso (saídas) poderia mudar. Hoje sei que, mesmo com elenco forte em time de ponta, tem de qualificar sempre. O Palmeiras foi uma grande escola para realmente virar treinador de ponta. Precisa ter muito equilíbrio, inteligência e equilíbrio.
De alguma forma se sentiu traído com a saída do Kardec?
Não. O Paulo Nobre (presidente do Palmeiras) trouxe o Alan Kardec do ostracismo no Benfica. Ele seria um novo líder pelos gols e o que começou a representar. Uma vez o Felipão conversou comigo na sala que foi dele por muitos anos, e me perguntou como eu estava utilizando o Kardec, para saber porque ele estava rendendo tanto. Depois ele ficou na lista dos 30 jogadores para a Copa. É o fruto do trabalho de todos. Para mim estava muito bem encaminhada a renovação do Kardec. Conversei com o Omar (Feitosa, gerente) e Brunoro (diretor-executivo). Eles me falaram: “Kleina, a expectativa da renovação do Kardec não é positiva. Começa a trabalhar uma situação”. Ainda acreditava mesmo assim que iria acontecer. Infelizmente foi comigo. Estávamos indo para concentração antes de enfrentar o Fluminense, quando chegou noticia e o Kardec veio na minha sala se despedir, contando que não era mais jogador do Palmeiras. Foi um baque para todos nós. Era uma referência. Ele não tinha me falado nada. Também perdemos o Luis Felipe para o Benfica, não renovamos com o Márcio Araújo, que, mesmo contestado, hoje é importante no Flamengo. Tentamos o Charles, mas depois dei chances para os garotos da base e eles tiveram uma trajetória vitoriosa.
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