(Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Um torcedor do Sport morreu atingido por uma privada lançada do alto da arquibancada do Arruda, no Recife. No mundo paralelo das organizadas, esse episódio será narrado e renarrado como uma façanha. Mesmo se o responsável, presumivelmente um torcedor do Santa Cruz, for preso, nada garante o fim desse macabro "contar vantagem". Como li no caso do torcedor do Vasco preso pela confusão em Joinville, na última rodada do Brasileiro de 2013, é até capaz que seus colegas digam: "só quem está dentro pode julgar".
("Só quem está dentro pode julgar": essa frase resume a visão de mundo de quem vive "na pista", numa lógica diferente dos “civis”.)
Diante de absurdos assim, costumamos procurar a chave da impunidade, e há uma base nisso: como noutras esferas de violência, a violência das organizadas é subinvestigada e subpunida. Mas o que torna a impunidade das organizadas “diferente”? Entre uma multidão de fatores, aponto um: a coabitação entre clubes e organizadas.
Essa coabitação persiste e floresce em diferentes graus no futebol brasileiro, do desconto em ingressos à quase simbiose, passando pela ilusão de que as organizadas possam ser manobradas. Quebrar essa coabitação é uma urgência. E não são declarações de ocasião, sempre compungidas, que farão o serviço. O próprio presidente do Santa Cruz, que agora se diz vítima das organizadas, já andou com elas – como tantos outros dirigentes, em tantos outros clubes e estados.
Punir os clubes pelo que fazem as organizadas nos estádios não se esgota no castigo por um ato determinado, não: indica qual é o preço futuro, a ser pago institucionalmente, por qualquer incentivo ou reforço às organizadas violentas. É preciso que esse preço seja alto – pois "injusto", injusto esse preço sempre será, pelo menos aos apaixonados.
(Foto: Carlos Ezequiel Vannoni/Fotoarena/Estadão Conteúdo)
Atacada a coabitação, teremos uma chance de atingir um segmento que considero chave: o de quem orbita as organizadas. Quem engrossa o público nos setores destinados às organizadas nos estádios brasileiros são “simpatizantes”, e não integrantes. São eles que ecoam os coros e reproduzem os gestos das organizadas, sem delas carregarem a “farda”. São eles que ficam quando as famílias somem. Mas, em contraste com os organizados, eles não “vivem” a torcida. Apesar de poderem ter feito parte de uma organizada uma vez na vida, eles habitam mesmo é o seu sonho de clube. Se ficar claro a esses simpatizantes que organizadas violentas comprometem o tal sonho, as organizadas perderão terreno e, em torno delas, surgirá um cordão sanitário. Sem simpatizantes, as organizadas não conseguirão cumprir o que Mao Tsé-Tung recomendava às guerrilhas: “mover-se entre as pessoas como um peixe nada no mar”.
Quanto às organizadas propriamente ditas, guardo pouca ou nenhuma esperança. O núcleo da organizada violenta, por mais que insistam no contrário, é corrompido, exatamente por promover ou pelo menos tolerar a lógica do “só quem está dentro pode julgar”.
É por isso que considero equivocadas, na raiz, as tentativas de “ajustar a conduta” das torcidas em acertos com seus chefes. Não me parece haver incentivo externo capaz de quebrar a rede de proteção e solidariedade entre liderança e “pista” no interior das organizadas. O que for feito (“projetos sociais”, como já sugeriu o governo) só mascarará o problema.
Trabalhemos com o possível, de olho no exemplo de quem comprou a briga contra a chantagem das organizadas, como o Palmeiras. Façamos o mar secar.
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