Um dos grandes legados da Copa do Mundo no Brasil pode ser uma profunda reforma das estruturas e a modernização do nosso futebol. Ao final de um jantar com 10 jornalistas esportivos, no Palácio da Alvorada, a presidente da República, Dilma Rousseff, se empolgou, ao abordar o assunto, e mandou agendar, para o próximo dia 27, uma terça-feira, reunião com os líderes do Bom Senso F.C - possivelmente até com a presença do zagueiro Paulo André, que atualmente joga na China.
- Quero conversar com eles, antes da estreia do Brasil. A modernização do nosso futebol seria um grande legado da Copa. E, por tudo que ouvi essa noite, me parece que a turma do Bom Senso poderá nos ajudar a encontrar alguns caminhos.
Dilma estava especialmente interessada em entender as estruturas de poder da CBF, Federações e clubes. Mostrou-se ainda simpática a ideia da formação de uma liga independente, que poderia fortalecer e dar mais liberdade aos clubes, como acontece, por exemplo, na Inglaterra e na Alemanha.
- É muito triste ver, como vi, o outro dia, um garoto que me dizer que não se interessava por futebol. Isso é grave. O futebol é um dos mais importantes patrimônios culturais do nosso país. Não podemos permitir que se esvazie. É preciso que os clubes encontrem formas de se tornar mais fortes, para manter nossos melhores jogadores atuando aqui e não no exterior.
Ciente das enormes dificuldades financeiras que os clubes brasileiros enfrentam (fruto de suas próprias administrações desastrosas), a presidente ressaltou não ser favorável ao perdão das dívidas nem a novo parcelamento sem contrapartidas bem definidas:
- Não adianta ficar refinanciando o que os clubes devem, se eles não conseguirem arcar com as prestações de suas dívidas e com os impostos futuros. Se houver nova inadimplência, o melhor caminho me parece ser mesmo o de penas esportivas. Podemos ajudar com o novo programa, mas exigindo um comportamento correto daqui pra frente. Quem não cumprir o combinado, deve perder pontos e pode até ser rebaixado ou excluído dos campeonatos.
Uma intervenção governamental direta, entretanto, está afastada:
- Não vou criar a Futebrás. Mas o Governo pode conduzir essa reforma e a modernização das gestões. A CBF, a Federação e os clubes são entidades privadas, mas, por exemplo, todos os 12 estádios construídos ou reformados para a Copa têm dinheiro do BNDES e, portanto, podem ser fiscalizados...
VIOLÊNCIA E MANIFESTAÇÕES
O tema da violência nos estádios também entrou na pauta e mereceu atenção especial:
- Não é possível que um torcedor morra, atingido por um vaso sanitário e nada aconteça. Precisamos fazer algo - disse, dirigindo-se ao ministro de esportes, Aldo Rebello.
Já em relação aos prováveis protestos e distúrbios, durante o Mundial, Dilma se mostrou segura:
- Aprendemos muito com o que houve na Copa das Confederações. Ali tivemos excessos das duas partes; dos manifestantes e da repressão policial. Desta vez, acho que todos se portarão de forma bem diferente, até porque a opinião pública está contrária a violência e quebra-quebra . De qualquer forma, fizemos um grande trabalho de integração entre todas as forças de segurança, as polícias militar e federal e até o exército, que participará como última linha de proteção dos cinturões que serão posicionados em torno dos estádios, hotéis das delegações e aeroportos. Garanto que nenhum membro da Fifa ou das seleções estrangeiras será importunado.
Apesar dos atrasos nas obras, a presidente continua convencida de que o Brasil fará "a Copa das Copas".
- Vai tudo funcionar, vocês vão ver. E o país do futebol sediará o maior espetáculo esportivo do mundo como ninguém.
Nem mesmo os atrasos nas obras, como as dos aeroportos a desanima:
- Começamos o processo dos aeroportos em 2011 e embora as reformas ainda não estejam todas prontas, não teremos atropelos, vocês verão. As delegações de chefes de estado deverão desembarcar em bases aéreas militares, até por uma questão maior de segurança, e as demais serão bem atendidas, mesmo nos aeroportos que ainda estão sendo reformados, pois já terão áreas novas e estruturas temporárias para facilitar o embarque e o desembarque. O Galeão, no Rio, por exemplo, só ficará totalmente pronto daqui a uns três anos. Mas vai funcionar bem durante o Mundial e, quando estiver totalmente reformado, deverá se tornar o principal ponto de conexões da América do Sul, superando até São Paulo. A empresa que assumiu 51% dele não nos pagaria, como pagou, R$ 19 bilhões, senão tivesse a certeza de que poderia transformá-lo num enorme sucesso empresarial. A Infraero, que ficou com 49%, terá nessa parceria um ganho enorme de know-how de operação. Conhecimento que poderá ser utilizado em todos os outros aeroportos que opera, Brasil afora.
SEM MEDO DE DERROTA
O risco de a Copa trazer algum tipo de repercussão negativa para o Governo, segundo Dilma, não a assusta. E ela nem mesmo crê que a conquista da Copa possa influenciar os eleitores:
- Sinceramente, não acredito que nada disso vá influir decisivamente na eleição. Nem ganhando, nem perdendo. O que vai contar mesmo são as realizações do meu Governo. Que são muitas e as mostraremos em detalhes, depois do Mundial, durante a campanha.
As últimas pesquisas, que apontam uma queda de seus índices de votação, aumentando a possibilidade de um segundo turno, também não tiram o seu sono:
- Em 2006, nessa mesma época, o Lula tinha índices piores que os meus e ganhou. Quanto a ir para um possível segundo turno, nenhum problema. Ninguém se candidata pensando em vencer no primeiro turno. O importante é a vitória final.
Com o assunto descambando para ã eleição, Dilma falou também da possibilidade, sempre aventada, de Lula a substituir como candidato, caso a situação se torne preocupante:
- Lula e eu somos muito próximos. Já passamos muita coisa junta. De bom e de ruim. E ele já me disse que nem sequer cogita essa hipótese. É a minha hora. E vou até o fim. Perdendo ou ganhando.
Quando lhe perguntei sobre a propaganda que tem sido feita na TV, mostrando pessoas que dizem não querer perder o que conquistaram nos últimos governos, a presidente preferiu não se aprofundar na discussão que fala numa troca da estratégia da "esperança vencer o medo", da época da primeira eleição de Lula, para o temor de se perder as conquistas atuais das classes mais pobres :
- Sinceramente, ainda nem vi essa propagada. Mas é importante dizer que ela é do PT, não do Governo. E acho que eles têm todo o direito de se defender, quando atacados.
ISOLANDO NA MADEIRA
Já ao final do jantar, voltando ao mundo da bola, lhe perguntei sobre aquele que poderia ser, em sua opinião, o maior adversário do Brasil na Copa. Lembrei, brincando até da declaração do prefeito do Rio, Eduardo Paes, que ameaçava se matar em caso de derrota na final para a Argentina. Dilma riu, bateu na madeira da mesa e emendou:
- Eu não vou matar. E nós não vamos perder... - enfatizou, batendo, novamente na madeira.
Na despedida bem-humorada, uma última informação:
- Completei o álbum de figurinhas da Copa, viu?
Estiveram presentes, no jantar do Alvorada, além da presidente Dilma Rousseff, os ministros Aldo Rebelo, do esporte, Paulo Bernardo, das comunicações, Thomas Traumann, da secretaria de comunicação social, e os jornalistas Juca Kfouri, Paulo Vinícius Coelho, Milton Leite, Renata Fan, Paulo Calçade, Paulo Santana, Tino Marcos, Téo José, Mauro Betting e este escriba.
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