Fundado em 1914, o Palestra Itália alcançou sucesso precoce, mas acabou obrigado a mudar de nome apenas 28 anos depois. O ex-goleiro Oberdan Cattani, falecido recentemente, tornou-se um símbolo do clube original e será homenageado em breve com a inauguração de um busto.
Inspirados pelas recentes excursões de Torino e Pro Vercelli ao Brasil, Luigi Cervo, Luigi Marzo, Vincenzo Ragognetti e Ezequiel Simone idealizaram a criação do Palestra Itália. Com dificuldade, o clube foi aceito pela Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) em 1916, ganhando o direito de estrear no Estadual.
Quatro anos depois de disputar o Campeonato Paulista pela primeira vez, o Palestra Itália conquistou o torneio ao vencer o poderoso Paulistano, então tetracampeão. O atacante Heitor Marcelino Domingues, primeiro grande ídolo, participou da campanha.
Com o número expressivo de imigrantes italianos em São Paulo, o Palestra formou uma grande massa de torcedores rapidamente, o que contribuiu com a popularização do futebol, no começo restrito às elites. O clube foi campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1933 e repetiu os títulos estaduais em 1926, 1927, 1932, 1933, 1934, 1936, 1938 e 1940.
Nascido em 1919, Oberdan Cattani trabalhou na juventude como caminhoneiro, transportando frutas de Sorocaba, sua cidade natal, para São Paulo. Ele iniciou a carreira de goleiro da equipe principal do Palestra Itália em 1941, com o time respeitado pelo sucesso do ano anterior.
Como protagonista, Oberdan participou da histórica temporada de 1942. Com a entrada do Brasil, então governado por Getúlio Vargas, na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados, agremiações de origem italiana, alemã e japonesa foram obrigadas a mudar de nome.
O clube fundado pelos imigrantes peninsulares em 1914 tentou minimizar o prejuízo com o uso de “Palestra de São Paulo”, o que não foi suficiente. Seis dias antes do jogo contra o São Paulo pelo título do Campeonato Paulista de 1942, a instituição adotou o nome de Palmeiras.
A convite da Gazeta Esportiva, Oberdan Cattani repetiu o gesto da Arrancada Heroica no Pacaembu em 2012.Fotomontagem Gazeta Press
Oberdan Cattani faleceu em função de uma infecção pulmonar há dois meses. Em junho de 2011, a convite da Gazeta Esportiva, na véspera de seu 92º aniversário, ele visitou as obras do antigo Palestra Itália e recordou os principais momentos da longa passagem pelo clube.
“Antes do jogo contra o São Paulo, a gente estava concentrado em Poá, na chácara de um dirigente. De repente, chegou um diretor e disse: ‘Fomos obrigados a mudar o nome de Palestra Itália para Palmeiras’. Teve jogador que chorou, eu mesmo cheguei a derramar uma lágrima”, recordou.
Ao ver o novo uniforme, Oberdan ficou incomodado. “A gente estava acostumado a vestir a camisa do Palestra Itália, com o PI no peito. Quando olhei a nova camisa, pensei: ‘Puxa vida, mas que diferente’. Fomos obrigados a aguentar isso. Eu, como filho de italiano, senti muito a mudança”, declarou.
Diante do clima hostil – temia-se que a equipe fosse apedrejada -, os jogadores do Palmeiras, vistos por alguns como “inimigos da pátria”, entraram em campo no Pacaembu para enfrentar o São Paulo com uma bandeira do Brasil, entre eles Oberdan Cattani, adotando uma ideia sugerida pelo militar Adalberto Mendes.
Não houve maiores incidentes entre os torcedores, mas o jogo foi marcado por uma confusão em campo. Inconformado com a marcação de um pênalti para o Palmeiras no segundo tempo, quando já perdia por 3 a 1, o São Paulo se recusou a prosseguir com a partida, perdeu o título e ganhou o apelido de “fujão” dos rivais.
Junqueira e Oberdan Cattani no ano de 1943: o ex-goleiro ganhará busto como o do antigo companheiro.Acervo/Gazeta Press
“A gente esperou, mas eles saíram de campo e nós fomos declarados campeões. O Palestra Itália morreu invicto e a Sociedade Esportiva Palmeiras nasceu campeã. Acho que foi o título mais marcante da minha carreira”, recordou Oberdan, orgulhoso, em 2011.
De 1941 a 1954, o goleiro disputou 351 jogos pela equipe. Neste período, foi tetracampeão paulista (1942, 1944, 1947 e 1950), além de ter conquistado o Rio-São Paulo e a Copa Rio de 1951. Oberdan tinha potencial para brigar por uma vaga nas Copas de do Mundo de 1942 e 1946, não realizadas em função da Guerra.
Até o final da vida, ele falou com raiva sobre sua saída do Palmeiras e costumava culpar o então presidente Paschoal Walter Byron Giuliano. Oberdan encerrou a carreira no Juventus e chegou a enfrentar o ex-time, o que acabou usado, indevidamente, como justificativa para descartar a confecção de um busto em sua homenagem.
O ex-jogador não admitia, mas era fácil perceber a profunda mágoa em torno do assunto. Ainda assim, Oberdan fez do Palmeiras sua casa e tornou-se conselheiro do clube. Ele casou e comemorou vários aniversários nas dependências da agremiação. Questionado sobre o possível busto, costumava citar a escultura em bronze de suas mãos, feita na gestão de Mustafá Contursi.
O estatuto do Palmeiras não impede a confecção de uma estátua para um jogador que já tenha enfrentado o clube – Ademir da Guia, homenageado com um busto, jogou contra a agremiação pelo Bangu, em 1960. Desta forma, na gestão de Paulo Nobre, o tributo a Oberdan Cattani foi enfim aprovado oficialmente.
Oberdan Cattani visitou obras do estádio em 2011: ídolo tinha Marcos como desafeto.Bruno Ceccon/Gazeta Press
Um dos maiores ídolos da história do clube, o ex-goleiro completou 95 anos no último 12 de junho, dia e mês do histórico título paulista de 1993. Acompanhado pela filha e pelo genro, ele viveu seus últimos anos em uma casa com portões verdes, localizada a poucos quarteirões do Palmeiras, perto da Avenida Pompeia.
Vaidoso, Oberdan mantinha pretos os cabelos e o fino bigode. Ele atribuía a longevidade à vida regrada e costumava reclamar apenas de problemas para enxergar. Enquanto a saúde permitiu, compareceu aos eventos promovidos pelo Palmeiras, os últimos em cadeira de rodas. No último dia 21 de junho, seu corpo foi velado no ginásio do clube.
A data exata da inauguração do sonhado busto ainda não foi definida, mas deve ocorrer em 2014. A Sociedade Esportiva Palmeiras teve 60 anos para homenagear Oberdan Cattani da forma como ele mais desejava. Quando finalmente resolveu fazê-lo, foi tarde demais.
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