Ex-presidente do Palmeiras e economista com prestígio internacional, Luiz Gonzaga Belluzzo recebeu a reportagem do ESPN.com.br em sua casa na última segunda-feira. Entre os temas, falou sobre o atual momento do futebol brasileiro e defendeu algumas teses que considera ideais para que o esporte possa voltar ao seu eixo.
Um dos fundadores da Unicamp e da Facamp, Belluzzo tem renome no mercado financeiro e já foi consultor de diversas empresas, bancos e governos. Por isso, falou com propriedade que os clubes deveriam tentar inibir as ações de empresários e tentar aumentar a taxa de ganho por ser formador de talentos, por exemplo.
O economista ainda disse uma eventual reformulação nos campeonatos estaduais, o que seria bom para o futebol brasileiro em longo prazo, a exemplo do que defende o Bom Senso, e analisou a criação de uma entidade parecia com o que era o Clube dos 13 antigamente como fundamental para defender os interesses dos clubes.
ESPN - Certa vez, você disse: "No futebol, quem protesta com clareza e veemência não é bem visto. Até porque fiz reflexões sobre como é o mundo do futebol e as pessoas ficam incomodadas". Que outras reflexões você faria sobre como é o mundo do futebol?
Belluzzo - O mundo do futebol é de acomodações e interesses que às vezes não correspondem ao interesse dos clubes. Você tem uma teia de relações e interesses que acabam sufocando a capacidade de você argumentar ou protestar. Eu assisti isso na eleição do Clube dos 13, em que nessa eleição os dois candidatos, um era o Kléber Leite, que era candidato do Marco Polo Del Nero e do Ricardo Teixeira e também da Rede Globo. Me coloquei ao lado do Fábio Koff, que venceu, mas isso causou uma dissensão no Clube dos 13, que acabou dissolvido. Lamentável, os clubes precisariam ter uma entidade que os representasse. Assim é na Europa, você tem o European Club Association, o Brasil precisava reconstituir isso colocando uma entidade que defendesse realmente o interesse dos clubes e outras mudanças, reformas. Na estrutura, pois ela não é funcional. Está afogada em um mar de forças que inibem três formações que seriam importantes. Os clubes deveriam ter um conselho de administração. Deveriam se aproximar dos modos de governância que as empresas têm. Membro de conselho de administração que seja independente e qualificado. Estão enfraquecidos. Aí você tem várias incidências na vida dos clubes que são inadequadas para o momento que o futebol vive. Esquecemos de várias coisas na discussão sobre os clubes de futebol. Nos anos 80, sobretudo dos anos 90 para cá, como ocorreu a globalização financeira e produtiva ocorreu também no mundo do futebol. Não é comparável a essa situação que vivemos hoje com o que existia até os anos 70. Hoje tem mercado líquido de jogadores com a presença de agentes que na verdade se apropriaram daquilo que deveria pertencer aos clubes, que são na verdade os direitos econômicos dos jogadores. Isso representa dificuldade enorme aos clubes, qualquer jogador tem três ou quatro donos dos seus direitos econômicos.
ESPN - A volta do passe seria uma solução?
Belluzzo - Não, isso é uma bobagem. Falei para o Juca Kfouri, ele fica dizendo isso, não tem nada a ver com a volta do passe e sim com uma regulamentação do papel dos intermediários. Por exemplo: por que paga só 5% ao clube formador? Tem que ter uma margem maior. É um processo terrível e especulativo no futebol. Vi o Muricy falando isso, que não pode ficar à mercê dos empresários, que interferem em todos os momentos da vida do profissional. O Muricy estava falando sobre o tratamento dos jogadores, a dificuldade que eles têm em assumir posição mais responsável em relação ao que eles fazem, e os empresários interferem muito. E interferem não só na hora da transferência, mas também querendo que escale jogador e coisas todas que atrapalham o futebol. Não tem a ver com a Lei do Passe, não dá pra propor isso, tem que regulamentar essa atividade colocando um coeficiente maior quando o jogador que for formado no clube for vendido para fora.
ESPN - Como economista, qual ia ser esse coeficiente ideal?
Belluzzo - 50%. No mínimo.
ESPN - E como diminuiria a ação dos empresários para colocar esses 50% em contratos que já estão feitos?
Belluzzo - Esse é o problema, mas é uma coisa progressiva. Tem que esperar que contratos vençam, é fácil de fazer, não pode manter isso que está aí. O futebol brasileiro, falando da globalização, vai ficar em posição inferiorizada. E esse desempenho dos últimos anos tem a ver com maturação dessas condições novas, e nós não conseguimos acompanhar isso.
ESPN - Você citou o fim do Clube dos 13. A volta de uma entidade como essa é uma solução?
Belluzzo - Sim, não precisa ser igual, precisa que os clubes tenham sua entidade para nesse mundo em que os interesses ficam coagulados em instituições mais coletivas, como se fosse um sindicato, mas não é um sindicato, é uma organização específica e apropriada ao futebol para se discutir tudo isso, da mesma maneira que o Bom Senso está fazendo. Discutir calendário, horário de jogo, e tem dependência. A empresa que transmite os jogos tem os seus direitos, mas as confederações tem que ter um papel muito menor do que tem e os clubes tem que ver isso. Acontece que frequentemente os dirigentes não percebem essa necessidade. Eles confundem às vezes. Conversei sobretudo com o Juvenal, sobre a necessidade de ter quadros mais treinados nessas instituições para que pudéssemos defrontar com todos os parceiros que cercam os clubes de futebol. As condições hoje são diferentes dos anos 70. Não tinha patrocinadores, direitos de transmissão, marketing. Então essa associação de clubes devia cuidar de tudo isso. Frequentemente dirigentes confundem rivalidade no campo com a briga fora dele. Não há que se misturar as coisas, mas ainda podemos caminhar muito para alcançar um estágio mais parecido com aquele que os clubes europeus alcançaram. Na Europa é Platini, na Uefa. Estive lá, visitamos a associação, e aí tem modelos que não precisa replicar aqui, mas podem inspirar uma transformação.
ESPN - O Bom Senso acredita que as federações têm muito poder. O que tem que ser feito? Diminuir e acabar os estaduais?
Belluzzo- Que se faça várias divisões com acesso e descenso e substitua os estaduais. Não têm mais apelo, podia fazer um Campeonato Brasileiro maior, com distribuição maior nas datas, e incentivar os times do interior a cumprir a função que cumprimos no passado de agradecer os grandes clubes e jogadores. Vejo com pesar o que está acontecendo com o Guarani. Foi campeão brasileiro. Deu o Careca ao São Paulo, o Palmeiras disputou também, mas ele foi para o São Paulo em 83. Outro dia escalei o time do Palmeiras dos anos 70. Leão, que veio do São José, Eurico, do Botafogo de Ribeirão Preto, Luis Pereira, do São Bento, Dudu, da Ferroviária, Alfredo era prata da casa, Ademir, que era do Bangu, o meia era da Ferroviária, então você vê que o interior é um grande provedor de jogadores nos times grandes. Então precisa fortalecer não só as bases, mas também a base das competições de menor ranking. Acho que teria que realmente mudar, e para dar então e conferir a esses torneios a atração do acesso a outras divisões. Administrar isso corretamente, começando pela qualidade dos campos e gramados.
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