O promotor musical Luiz Alberto dos Santos chorou ao ver a demolição do antigo salão de festas da Sociedade Esportiva Palmeiras.
Mais conhecido como Luizão, ele levou alguns dos principais astros da música negra ao palco do clube, de Jorge Ben a James Brown. Os shows, assistidos por milhares de pessoas, contribuíram para combater o preconceito racial nos anos 1970 e 1980.
Filho de uma pianista, ele colecionava discos de vinil desde a infância e, popular entre os amigos, começou a tocar em aniversários, casamentos e piqueniques. Rapidamente, a informal “Discoteca do Luizão” cresceu, virou a “Chic Show” e ganhou ainda mais notoriedade após uma parceria com a escola de samba Camisa Verde e Branco.
Com o baile voltado ao público negro em franca expansão, Luizão foi convidado para uma formatura no amplo salão da Sociedade Esportiva Palmeiras. Neste momento, o promotor musical teve a ideia de levar os eventos da Chic Show para o espaço. Após negociar com a diretoria do clube, a estreia em grande estilo, divulgada intensamente em lambe-lambes pela cidade, aconteceu com Jorge Ben, em 1974.
“O salão do Palmeiras sempre foi um lugar tradicional de festas em São Paulo. Então, a gente tinha o sonho de fazer grandes espetáculos lá. No primeiro show, trouxemos o ídolo da raça negra na época. O Jorge Ben era praticamente o Roberto Carlos preto. Eu tinha 17 anos, mas apresentava todos os eventos. Ver aquele mar de pessoas de cima do palco foi de arrepiar. Havia cerca de 14 mil espectadores. Ninguém pensava em bailes desse porte”, lembrou.
O promotor musical Luizão concedeu entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva nas dependências do Palmeiras.Djalma Vassão/Gazeta Press
A Chic Show estreou de forma bem-sucedida no Palmeiras, mas, de acordo com Luizão, após as primeiras apresentações, começou a haver questionamento por parte de alguns associados do clube. Como os bailes ocorriam nas nobres noites de sábado, também eram malvistos pelos promotores acostumados a realizar outros tipos de evento no local, como formaturas e aniversários.
“Surgiram alguns obstáculos. A gente fazia eventos chiques, mas era o baile da periferia, o baile da negrada. Era uma ousadia muito grande chegar no salão de festas da elite da cidade. Estávamos fazendo festa no palácio do rei. Hoje a questão do racismo está mais diluída, mas na época era bem forte. Havia uma distância muito grande entre brancos e negros. Começou a existir choque com os associados”, lembrou Luizão.
Gradualmente, os bailes promovidos pela Chic Show no Palmeiras, acompanhados por milhares de pessoas, ganharam status. Após estrear com Jorge Ben, o evento recebeu nomes como Tim Maia, Sandra de Sá, Gilberto Gil, Djavan, Bebeto e Carlos Dafé. Do exterior, vieram Kurtis Blow, Betty Wright e Roger Troutman com a Banda Zapp.
Os eventos promovidos no salão de festas significavam renda extra para o Palmeiras. Para contratar Djalma Santos e Levinha, dois de seus maiores ídolos, por exemplo, o clube usou o dinheiro arrecadado nos famosos bailes de Carnaval. No acordo com a Chic Show, além de faturar com o aluguel do espaço, a instituição lucrava com a venda de bebidas.
“Não podemos reclamar da diretoria do Palmeiras. Alguns sócios falavam: ‘pô, não pode alugar para a negrada, o pessoal é da raça’. Mas os diretores sempre correram junto conosco. Após o crescimento do baile, com grandes shows internacionais, o evento que antes era rejeitado passou a ser aceitável. Além disso, era comercialmente interessante para o clube”, lembrou Luizão.
Em novembro de 78, no auge do Chic Show, James Brown fez um show no Palmeiras (fotos: divulgação e AFP)/Divulgação
No auge da parceria, o astro James Brown, acompanhado por sua conceituada banda, realizou um show no Palmeiras em novembro de 1978. “O maior balanço do mundo”, anunciava o material promocional sobre a “única apresentação para os black’s paulista”. A antiga “Discoteca do Luizão”, iniciada informalmente no bairro do Butantã, recebeu um dos músicos mais influentes do século.
“Assim como o palco do Palmeiras, o James Brown era um sonho da Chic Show. A gente tinha essa facilidade, porque o nosso sonho era o sonho do povo. Em um espaço para 12 mil, entraram 23 mil. Não dava nem para levantar o braço. Tivemos problemas de portaria e precisamos colocar o pessoal todo para dentro. Foi a única maneira de controlar a galera, mas ele fez um show sensacional”, lembrou.
De acordo com Luizão, os jogadores dos principais clubes da capital paulista costumavam frequentar os espetáculos promovidos pela Chic Show no Palmeiras. Torcedor do Santos, ele conta que a maioria esmagadora dos espectadores dos eventos promovidos no clube alviverde torcia pelo Corinthians, o que não causava problemas.
“Eu diria que 90% da galera era corintiana. Recentemente, os torcedores do Palmeiras danificaram o novo estádio do Corinthians, mas naquela época os corintianos vinham aqui e não tinha problema nenhum. Os jogadores de futebol não saíam dos nossos bailes, recebíamos figuras ilustres não só do Palmeiras, mas também do Corinthians, do Santos, do São Paulo, da Portuguesa. Os espetáculos eram ponto de encontro da raça negra em geral”, contou.
Os bailes da Chic Show no Palmeiras perduraram até o final dos anos 1980, mas passaram a perder força gradualmente. O aumento da fiscalização e as exigências das autoridades locais diminuíram bastante a capacidade máxima do salão de festas do clube, o que tornou o modelo de negócio desinteressante para a promotora musical.
Na música Sr. Tempo Bom, um clássico, o rapper Thaíde cita os grandes bailes no Palmeiras com a Chic Show
Ironicamente, Luiz Alberto dos Santos, vítima de resistência nos anos 1970, hoje compõe o quadro de associados do Palmeiras ao lado de seus familiares. De acordo como o promotor musical, a série de shows realizada no palco do clube localizado no nobre bairro das Perdizes contribuiu para combater o preconceito racial na capital paulista.
“O Palmeiras, clube antes visto como racista, abriu os braços para a raça negra. Isso, ninguém fala, mas a raça negra em São Paulo deve ser grata. Apesar das dificuldades iniciais, conseguimos superar tudo e nunca tivemos maiores problemas. As portas da instituição sempre estiveram abertas para nós e vivemos bem aqui dentro”, declarou Luizão.
Ele segue no ramo musical e tentou reeditar os espetáculos no Palmeiras antes da reforma do estádio Palestra Itália, mas a ideia não prosperou. Com lágrimas nos olhos, Luizão acompanhou o início da demolição do antigo salão de festas. Uma das apostas da nova arena do clube é receber shows musicais, o que faz o promotor sonhar novamente.
“Em 2015, a Chic Show completa 40 anos de existência e queremos comemorar essa data especial com um grande show no gramado do Palmeiras. Vamos ver se conseguimos trazer um espetáculo internacional. O estádio novo está aí, o clube vai completar 100 anos e nós, 40. São 140 anos de história. Já tem data, vai ser em setembro”, avisou Luizão.
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