Memórias do centenário: o chute que calou mais de 100 mil corintianos

7/8/2014 08:30

Memórias do centenário: o chute que calou mais de 100 mil corintianos

Ademir, Dudu, Leivinha, Leão e Jair Gonçalves comentam o gol do título paulista de 1974, marcado por Ronaldo, que afirma: "Eu estava predestinado"

Memórias do centenário: o chute que calou mais de 100 mil corintianos

Dia 22 de dezembro de 1974. De um lado, o Palmeiras, um time de craques que vinha de uma rotina incansável de conquistas de títulos.



Do outro lado, o Corinthians, uma excelente equipe que tinha o apoio popular e o enorme desejo de levantar uma taça depois de 20 anos de jejum.



No Morumbi, palco da decisão daquele Campeonato Paulista, a arquibancada contava com ampla maioria da torcida alvinegra. A festa estava praticamente pronta para o adversário. Mas a minoria alviverde foi quem festejou mais uma vez.



Aqueles últimos 90 minutos da temporada marcaram uma página especial no Dérbi e, principalmente, na centenária história palmeirense. Tanto que até hoje, quase 40 anos depois, craques da Academia destacam aquela conquista como a mais marcante e importante de uma geração que jamais será esquecida no Palestra Italia.



– O mais especial foi aquele Campeonato Paulista que ganhamos contra o Corinthians, em 1974. Nos fomos mais felizes, tivemos um comportamento firme numa decisão que mereceu muita concentração – recorda Dudu.



– Fui campeão brasileiro duas vezes, três vezes campeão paulista, fui campeão espanhol, em 1972 o Palmeiras ganhou cinco torneios diferentes, mas sempre cito o título de 1974 porque foi contra o Corinthians. E naquela época o Corinthians não chegava até as finais – conta Leivinha.



TÉCNICO E "CURANDEIRO"



Bicampeão brasileiro em 1972 e 1973, o Verdão foi para a decisão do Paulistão de 1974 sem qualquer responsabilidade. A sequência de títulos do clube jogou todo o peso da final para o lado alvinegro. E, além de Leão, Luis Pereira, Dudu, Ademir, Leivinha e tantos outros craques, o Palmeiras contava com uma figura importante e decisiva em seu banco de reservas: o técnico Oswaldo Brandão.





Oswaldo Brandão, técnico do Palmeiras (Foto: Arquivo / Agência Estado)



Conhecido pelo seu lado disciplinador e místico, o treinador supervisionava praticamente tudo no Palmeiras. Além da parte tática, ele dava palpite no departamento médico, no planejamento, na logística e era conhecido por tomar decisões inesperadas e de última hora.



– O Brandão se envolvia com tudo. Ele ia no vestiário, achava que tinha que pintar isso, ia no departamento médico. Ele tinha essa percepção de mudar as peças. O Jair era volante, já havia jogado de zagueiro e nessa partida o Brandão preferiu escalá-lo como lateral. É aquele negócio de você conhecer o jogador, você passar dois anos com o time e saber o que cada um pode fazer – conta Ademir.



– Se o dia tem 24 horas, o Brandão vivia 25 horas de futebol. Ele tinha essas sacadas de mudar local de concentração de última hora, campo de jogo. Ele vivia assim. O Brandão dava uma força grande principalmente aos jovens e aos atletas que não tinham muito espaço. Nós víamos com bons olhos. Era um cara muito experiente e se preocupava com todo elenco.



Foi muito importante nessa fase grandiosa do Palmeiras – recorda Leivinha.



Para Ronaldo, Oswaldo Brandão, que é o treinador que mais vezes dirigiu o Palmeiras em toda história – foram 585 partidas –, respeitava os atletas e ganhava elenco com seu estilo totalmente imprevisível.



Já Dudu ressalta a intuição e fé do treinador no trabalho que comandava no clube alviverde. Uma das milhares lendas do futebol diz que o técnico teria pressentido o lance do gol do título palmeirense.



– Ele tinha umas coisas assim mesmo e, de uma hora para outra, mudava tudo. O Brandão tinha umas premonições, era um dom mesmo. Não era um treinador estrategista, não dava nem treino. Ele era um treinador simples, mas muito profundo – diz Ronaldo.



– O Brandão era uma pessoa concentrada naquilo que fazia, até pela experiência que tinha no futebol. Ele também era espírita. Mas isso não ganha jogo. Todo mundo tem sua religião. Mas ele tinha esses lances em jogos importantes e decisões de campeonato, tinha algumas intuições e colocava em prática. Ele tinha muita fé naquilo que estava fazendo – cita Dudu.





Ademir da Guia desfila sua técnica na final do Paulistão de 1974 (Foto: Agência Estado)



Após o empate em 1 a 1 na primeira partida, disputada no Pacaembu, o treinador foi obrigado a mexer no time. Eurico, com uma lesão de última hora, deu lugar para Jair Gonçalves, volante de origem, mas que atuava improvisado no setor. Ronaldo, atacante que substituía César Maluco, deixou o Pacaembu praticamente vetado para o segundo o jogo após uma pancada na coxa. Mas foi aí que entrou o lado místico do comandante.



Na quarta-feira foi o primeiro jogo, eu dei passe para o Edu fazer o gol. Mas tive um problema muito sério. O Zé Maria me deu uma paulistinha. Minha perna inchou e nem consegui andar na quinta.



Na sexta eu não treinei, fiquei fazendo tratamento no clube. Chegou o sábado e não tinha a mínima chance de jogar no domingo. Aí o Brandão me chamou e disse: “Mineiro, vamos para o jogo”. E eu respondi que não tinha como, mas ele disse que ia dar um jeito – recorda Ronaldo.



– O Brandão quebrou todos os tabus da medicina (risos). Eu estava com o Eurico no quarto e ele foi lá com o massagista. Disse que não era para falar nada para os médicos. Lembro que eu ia ficar bom somente em dez dias pela previsão dos médicos. O Brandão entrou no quarto, eu estava deitado na cama. Ele pegou uma

garrafa de água mineral, o massagista jogou na minha perna e o Brandão começou a espremer.



Um segurava, porque doía muito, e o outro fazia massagem como se tivesse mexendo em massa de pastel. Lembro que no sábado fiquei desde depois do jantar até quase meia-noite fazendo isso. Eu acordei zerado no domingo – completa o atacante.



FESTA PRONTA PARA O RIVAL



Com essas duas mudanças, o Palmeiras entrou em campo diante de 120.522 torcedores naquele domingo com Leão; Jair Gonçalves, Luis Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu, Leivinha, Ronaldo e Nei. Além do Corinthians de Rivellino, os alviverdes tiveram de enfrentar outro adversário: o apoio popular.



Em jejum desde 1954, o Corinthians acabou perdendo espaço para os rivais paulistas nos 20 anos seguintes. O Santos de Pelé e a Academia palmeirense praticamente comandaram a década de 1960.



A partir de 1970, o São Paulo também formou uma equipe forte e em condição de brigar com os principais times do país na ocasião.





Rivelino arrisca chute, durante jogo entre Corinthians e Palmeiras, em 1974 (Foto: Arquivo / Agência Estado)



Mas, após tanto tempo de espera, os corintianos acreditavam que a hora havia chegado. E a festa estava praticamente toda preparada no Morumbi. A pressão da mídia e da torcida, porém, acabou jogando contra o Corinthians.



– Todo mundo dizia que o Corinthians ia ser o campeão. Para nós, a expectativa era normal porque o Palmeiras era campeão quase todo ano. E naquele dia tinha mais de cem mil pessoas no Morumbi e a grande maioria era de torcedores corintianos. Acho que a cada mil torcedores, cem eram palmeirenses. Eles imaginavam que a vitória já estava garantida para eles – diz Jair Gonçalves.



– Nós percebíamos que a imprensa preferia e gostaria de ver o Corinthians campeão. E naquele momento o Palmeiras estava acostumado a ser campeão, e o Corinthians, não.



Mas tudo mudou para esse jogo e éramos considerados carta fora do baralho. A festa estava toda pronta para eles, mas as pessoas esqueceram que do outro lado estava o Palmeiras – conta Leivinha.



A vantagem palmeirense praticamente desmontou o time alvinegro. Em desvantagem no placar, o Corinthians esbarrou na eficiência do time de Oswaldo Brandão e na pressão pelo fim do jejum. A festa foi da minoria alviverde no Morumbi.



– O estádio era 95% de corintiano. E eles tinham um bom time também. Nós fizemos 1 a 0 e achei que o Corinthians viria para cima do Palmeiras. Mas isso não aconteceu. Eles tinham tanto respeito e tanta preocupação com o nosso ataque, que era bom, que eles ficaram na deles, tentando jogar de igual para igual, mas para não tomar o segundo gol – lembra Leão.



– Tudo indicava que eles tinham essa chance por ter uma equipe boa. Quando nós subimos as escadas do Morumbi, percebemos que 95% era corintiana. Mas para nós não tinha muito problema porque nossa equipe era muito boa. Nós tínhamos conquistado títulos em 1972 e 1973, então até poderíamos perder.



O Corinthians, não. Eles entraram com a pressão de ter de ganhar. Isso no futebol é muito ruim. Senti alguns jogadores deles nervosos. Para nós, foi normal. Fizemos o gol normalmente.



Sabíamos que o time poderia ser campeão, mas jogando tranquilamente. Eles foram prejudicados nisso – completa Ademir.



AMEAÇAS E PROVOCAÇÕES

Acostumado a decidir títulos importantes, os palmeirenses encontraram um ambiente hostil antes da partida. Na tentativa de desestabilizar os comandados de Oswaldo Brandão, Leivinha recebeu até ameaças de morte antes do jogo.



Após informar a diretoria do clube sobre o conteúdo de uma carta recebida em sua casa, o jogador passou a ser escoltado por seguranças do Palmeiras.



– Eu recebi uma carta muito mal digitada na minha casa falando que era corintiano e que se eu fizesse o gol eles iam me matar, iam matar a minha família. Eu levei a carta para a diretoria e eles colocaram dois seguranças para me acompanhar por um tempo. Eu saía de casa com os eles, ia para o clube, treinava e voltava para casa.



O presidente do Palmeiras naquela época era o Paschoal Giuliano, que também teve um problema na casa dele, acho que colocaram fogo no quintal. Foi uma vitória em que lutamos contra muita gente. Hoje damos risada, mas na época estávamos nervosos com tudo o que estava se passando ao redor – conta o ex-meia.



Autor do único gol da partida, Ronaldo lembra com detalhes como foi o momento após o clássico. A festa do título foi trocada por uma “fuga escondida” do estádio e uma viagem antecipada para Minas Gerais, na madrugada do dia seguinte.



– O pessoal do Palmeiras colocou o Leivinha e eu num carro todo fechado. Dois policiais foram dirigindo, com metralhadoras no chão, e saímos escondido do Morumbi. Eles me levaram até em casa e falaram para eu sair só no dia seguinte.



– Eu morava na Teodoro Sampaio, em Pinheiros, e guardava meu carro num posto de gasolina. No dia seguinte, às 4h da manhã, fui pegar meu carro para viajar e os frentistas quase me bateram.



Eles eram meus amigos, mas todos eram corintianos (risos). Tive de sair totalmente escondido. Depois daquele dia eu saí de férias, estava perigoso ficar em São Paulo. Até hoje quando eu vou para lá os corintianos me xingam (risos) – relembra o ex-atacante.



HERÓIS IMPROVÁVEIS



Nem Ademir da Guia, Leão, Luis Pereira ou Leivinha. Os heróis do título paulista de 1974 são dois atletas que não faziam parte com tanta frequência daquela famosa escalação da segunda Academia palmeirense: Jair Gonçalves e Ronaldo.



Apesar de ser volante, Jair entrou em campo na segunda final de 1974 como lateral-direito na vaga de Eurico. E até hoje guarda com orgulho o fato de ter sido ele quem começou a jogada do gol palmeirense.



– O Eurico machucou no sábado, e o Brandão me chamou. Eu tinha um estilo de marcar e apoiar também, aí ele me colocou de lateral-direito. Tive a sorte de cruzar a bola no lance que saiu o gol. O pessoal brinca que eu não quis cruzar, que eu dei um bico pra frente. Eu respondo que não interessa, que foi gol e o Palmeiras foi campeão (risos). Ganhar um título em cima do Corinthians é melhor ainda – brinca.



O cruzamento (ou chutão?) de Jair Gonçalves para a grande área encontrou a cabeça de Leivinha, que desviou para o meio e encontrou Ronaldo em excelente posição. O atacante bateu de primeira e, aos 24 minutos do segundo tempo, marcou o único gol do jogo. O suficiente para eternizar um grande time em um dos capítulos mais comemorados na centenária história palmeirense.



– O Palmeiras era muito forte. Se perdesse três ou quatro jogos por ano naquela época era muito. Foi sem dúvida o melhor time em que eu joguei na minha carreira. E esse gol foi o mais importante da minha vida. Por tudo o que aconteceu, pelas circunstâncias da partida e pelo o que eu passei na semana.



Eu estava predestinado a fazer o gol da vitória. Eu ganhei o Brasileiro duas vezes, fui campeão da Libertadores, mas esse título tem um gosto especial. Fazer parte de uma história tão bonita como a do Palmeiras é muito gratificante – conta Ronaldo.



Ficha técnica:



Palmeiras 1 x 0 Corinthians



Data: 22/12/1974

Local: Estádio do Morumbi

Árbitro: Dulcidio Wanderley Boschillia

Renda: Cr$ 2.322.658

Público: 120.522 torcedores

Gol: Ronaldo, aos 24 minutos do segundo tempo.



Palmeiras: Emerson Leão; Jair Gonçalves, Luis Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu, Leivinha, Ronaldo e Nei. Técnico: Oswaldo Brandão



Corinthians: Bullice; Zé Maria, Brito, Ademir e Vladimir; Tião e Rivelino; Vaguinho, Lance, Zé Roberto (Ivan) e Adãozinho (Pita). Tecnico: Silvio Pirilo.



VEJA TAMBÉM
- ORGULHO MUITO GRANDE! Abel exalta as crias do Verdão após vitória na Libertadores
- Palmeiras é forte candidato ao título do Super Mundial, afirma Neto.
- Veiga reconhece fase ruim e elogia Luís Guilherme pelo gol marcado.





10608 visitas - Fonte: Ge

Mais notícias do Palmeiras

Notícias de contratações do Palmeiras
Notícias mais lidas

Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Enviar Comentário

Para enviar comentários, você precisa estar cadastrado e logado no nosso site. Para se cadastrar, clique Aqui. Para fazer login, clique Aqui ou .

Últimas notícias

publicidade
publicidade

Brasileiro

Qua - 20:00 - Arena Barueri -
X
Palmeiras
Internacional

Brasileiro

Dom - 18:30 - Manoel Barradas
0 X 1
Vitoria
Palmeiras